Eram duas meninas: uma negra, a outra com cor indefinida, a pele extremamente encardida pelo tempo exposta nas ruas da grande Maceió, a cidade sorriso (?) farta de violência.
Maceió sorri para quem?
Eram passageiras urbanas do transporte coletivo e transportavam uma garrafinha de cola de sapateiro presa entre o queixo e o nariz.
São meninas, entre 12 e 15 anos, pretas, pobres, pálidas e esquálidas, reféns vitimizadas pela estrutura patriarcal e racista, soterrando-as na geografia do genocídio socialmente programado.
Meninas vistas como objetos ordinários. Meninas que compartilham cheiros e memórias do abandono.
Travam um diálogo de palavras perdidas entre o cérebro e os lábios descarnados. Palavras desconexas.
Sorriem desordenadamente mostrando nos lábios estourados pela química da morte, marcas profundas da luta pela sobrevida. São rastros de material cortante que dilaceram a inocência da infância que ainda deveria existir.
O vaivém do ônibus arranca observações doidivanas das garotas e causam sobressalto nos outros passageiros que mantêm uma calculada distância.
Alheias ao incômodo coletivo das pessoas-passageiras entabulam um diálogo siamês. Causam medo essas meninas, ainda, impúberes, botões no lugar dos seios que demarcam a vida adulta da infância.
As meninas despertam nosso medo visceral e contemporâneo da impotência.
As drogas é a infância destinada a essas meninas que vivem o mundo da rua.
O que é mesmo infância?
No ponto seguinte as meninas gargalhando as experiências alucinógenas da cola de sapateiro, descem e são abraçadas pelos companheiros da praça.
Outros meninos e meninas tão sujos quantos elas.
Meninos e meninas parecendo quinquilharias baratas.
É o fim?