Esclarecendo confusões sobre a liberdade de expressão

10/04/2011 14:49 - Adrualdo Catão
Por Adrualdo Catão

A liberdade de expressão é absoluta?

Muitos gostam de dizer que a liberdade de expressão não é absoluta e, portanto, pode ser relativizada em alguns casos. Não é bem assim. O STF, por exemplo, rechaça qualquer tipo de censura prévia, como foi o caso da inconstitucionalidade da obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Já escrevi sobre isso e disse:

“Imagine, leitor, que você é dono de uma empresa de comunicação. Você conhece um sujeito bastante comunicativo, que seria um ótimo repórter, mas não tem formação em jornalismo. Se você quisesse contratá-lo, estaria proibido de fazê-lo. Esse alguém, portanto, estaria proibido de manifestar certo tipo de pensamento, por não ter uma determinada formação. Agora me digam, não se trata de uma limitação prévia da liberdade de expressão? Não dá para desenhar melhor que isso.

Qualquer limitação prévia da manifestação do pensamento é inconstitucional. Isso, para mim, é muito simples.”

Há, portanto, um caráter absoluto na liberdade de expressão. Uma espécie de conteúdo essencial do princípio que, se violado, faz com que ele perca toda a eficácia. A proibição à censura prévia.

Todavia, no Brasil, em alguns casos o direito ameaça com punição certas manifestações do pensamento. Isso ocorre, principalmente, nos casos em que a lei protege o sigilo de informações ou diante de peculiaridades de certas profissões.

Assim, um advogado não pode revelar segredos de seu cliente. Se o fizer, será punido por sua conduta. Mesmo que a informação possa resolver um crime e, portanto, possa “fazer justiça”, entendem? Militares também têm limitações. Não pode se insurgir contra o comando e sair falando com a imprensa quando lhes der na telha. Se assim agem, são punidos, não havendo que se falar em violação à liberdade de expressão.

Esses profissionais podem desistir da sua profissão e falar tudo o que sabem e pensam sem medo de punição. Sendo assim, a rigor, nem sequer estão completamente impedidos de se expressar.

Mas há também a regra geral de que quem causa danos deve indenizar. Se, por meio do exercício de minha liberdade, causei danos a alguém, pagarei indenização. Não esqueçamos dos crimes que podem ser cometidos com a expressão do pensamento, a calúnia, a injúria e a difamação. Além dos crimes definidos na lei contra o racismo.

A Lei 7.716 proíbe “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” e “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. Nesses casos, como se vê, há sim uma clara limitação à liberdade de expressão para qualquer cidadão, independentemente da profissão. Mesmo que queira, em tese, o brasileiro não pode sair por aí ostentando uma suástica, pois a lei proíbe.

Todavia, percebe-se que são condutas claramente descritas e que envolvem uma manifestação específica de pensamento. Não se pode um juiz, em casa caso, mitigar a liberdade de expressão.

Vejamos, por exemplo, o caso de Bolsonaro. Arrisco-me a dizer que, mesmo que ele tivesse mesmo dito: “não quero que meu filho case com uma negra”, sua manifestação seria odiosa, mas não seria prática de racismo segundo a lei. Tentar calar o deputado maluco, portanto, seria sim, violar sua liberdade de expressão. Posso não concordar com o que ele fala, mas ele tem o direito de falar.

Nesse sentido, podemos dizer que a liberdade de expressão no Brasil não é absoluta, mas sem que isso signifique uma discricionariedade para, em cada caso, mitigar esse princípio. Somente quando nos enquadramos em determinadas hipóteses legais podemos responder pela nossa manifestação de pensamento. Porém, o STF vem estreitando cada vez mais essas possibilidades.

Minha opinião

No caso da liberdade de expressão, sou um verdadeiro libertário. Gosto do estilo americano. Nada de limites. Por mim, é melhor evitar leis que limitem a liberdade de expressão. E a própria interpretação dessas leis (se elas existirem) deve seguir uma rígida restrição de alcance. A liberdade de expressão é um bem muito caro e é a base da democracia.

Vejam que o abuso da liberdade de expressão pode simplesmente ser rebatido pela mesma liberdade de expressão do outro. Os que criticam essa ideia, normalmente se referem à desigualdade entre os donos de grandes empresas de comunicação e o cidadão comum. Mas se trata de uma falácia da esquerda para impor seu autoritarismo. Hoje, com a Internet, o argumento antiliberal está ficando obsoleto. O controle da expressão sempre serve ao autoritarismo.

Penso que certas liberdades têm mesmo que ser levadas ao limite, pois formam a própria essência do regime democrático. Assim, pedir a cabeça de Bolsonaro é uma típica manifestação antidemocrática. Não se esqueçam que, na democracia, até um canalha tem voz.

O que John Stuart Mill diria desse povo, hein?

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