Fazer ouvidos de mercador é também "fazer orelhas moucas", "fazer de conta que não se ouviu", "não ligar ao que dizem" pra dar a pílula o dourado da crença alheia.
Faz tempo que Alagoas pede socorro, mas, muita gente faz ouvido de mercador.
Ouvidos que não ouviram o clamor de três meninos, saídos fazia pouco da infância. Meninos exterminados, sem dó nem piedade em terrenos descampados de solidariedade humana.
Meninos tão jovens que na hora do desespero, ainda, gritaram pelo colo da mãe.
Meninos tão jovens que tremiam ao colocar as mãos nos ouvidos para não ouvir o esvair da vida, através dos tiros.
Meninos que não sabiam por que, mas tinham, naquele momento a certeza de que iriam morrer.
A violência em Alagoas não é algo de agora. Todas as estatísticas dos últimos quatro anos falam explosivamente de crimes que apartam famílias, enterrando no presente vidas sem futuro.
É o mapa da violência trilhando o caminho entre uma multidão anônima de meninos e homens pobres e pretos.
No diagnóstico da exclusão social dados apontam que dentre três jovens que morrem ou matam em Alagoas, dois são negros.
Tendo assumido a primeiríssima colocação no ranking da violência nacional, o estado sede da República dos Palmares perpetra, com a mais completa ausência de políticas públicas, o genocídio de negros em Alagoas.
São hecatombes sangrentas nas terras de Palmares.
Faz tempo que Alagoas deixou de ser um estado tranqüilo para se viver.
A violência em Alagoas não é algo de agora e as orelhas moucas não ouvem os gritos dilacerados de meninas, quase bebês, que têm suas vaginas rasgadas pela selvageria dos dias atuais.
Meninas, muitas de nome Maria, que passam as férias escolares no interior da violência doméstica. Abandonam a casa pela “tranqüilidade” das ruas.
Meninas que borram os lábios, recém-abandonados pela chupeta, de batom para fazer programa por um real ou cinqüenta centavos.
Meninas que não nos importam, pois não são nossas. As nossas meninas estão protegidas em balões inflável.
A violência tem a cara feia da miséria, da indiferença humana e na maioria das vezes veste a pele preta das amplas maiorias minorizadas.
E a violência em Alagoas pede aos ouvidos programados para serem moucos que ouçam os gritos de socorro da população amordaçada pelo medo.
O medo do povo alagoano impõe iniciativas políticas decisivas e práticas que inibam o sentimento coletivo de impunidade.
Faz tempo que Alagoas pede socorro, mas, muita gente faz ouvido de mercador.
Até quando?