São 10 horas da manhã de uma quinta-feira, do mês de fevereiro. O cenário é o passeio da Avenida Amélia Rosa, no bairro dito nobre, da Jatiúca.
Como numa cena de filme de terceira categoria, dois homens saem lambuzados das fossas responsáveis por armazenar os dejetos humanos das residências.
Dois homens. Um veste roupa laranja, o outro se protege dos agentes biológicos encontrados nas águas contaminadas como parasitas, as bactérias patógenas e vírus, com uma com inapropriada roupa preta rasgada em meio a cintura. A única proteção dos homens que descem nos bueiros e saem lambuzados de dejetos são botas de borracha que vão até o joelho.
Os homens estão despidos de proteção e entram nos bueiros para efetuar o trabalho de higienizar a vida dos outros, enquanto eles se expõem a número infindáveis de doenças possíveis e imaginárias: leptospirose, tifo, febre tifóide, brucelose, lepra, cólera, difteria, tétano, meningite, coqueluche e várias doenças nos olhos e na boca.
Os homens deveriam ter condições dignas de trabalho um dos direitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos; mas em Maceió, uma das capitais mais ricas do Nordeste, e com uma das populações mais pobres entre os pobres, todo trabalho é digno até aventurar-se em esgotos fétidos sem a segurança de vida.
O trabalho dos homens é entrar nas tubulações de esgotos para dar qualidade de vida aos moradores do entorno, mas quem cuida da saúde e dignidade destes homens?
Quais os efeitos colaterais e emocionais pra um ser humano que sai de um esgoto no meio de praça pública todo lambuzado da sujeira do mundo?
A situação é tão absurdamente inusitada que diminuo os passos para perguntar a um dos homens,que brota da fossa com a roupa escorrendo dejetos humanos, para questionar se aquela sujeira seria de verdade-verdadeira a água de esgoto e ele me confirma que sim.
Cidadania é uma palavra robusta. Só para alguns.
Enquanto isso, quantos homens e mulher continuarão a ser submetidos a condições subumanas do trabalho escravagistas, desafiando os limites do próprio corpo?
1888 acabou?