A faixa estava pendurada, timidamente, em uma cerca artesanal, de um dos muitos estabelecimentos comerciais da orla de Maceió e trazia uma recomendação às mulheres alertando para a necessidade de uma alimentação balanceada no período carnavalesco. Acima da mensagem institucional do governo avistávamos uma ilustração de mulher transvestida de Carmem Miranda.
É carnaval!
Agasalhada a sombra momentânea produzida pela faixa, observamos outra mulher uniformizada de pobreza, circundada por sete crianças, visivelmente raquíticas, trazendo nos lábios descarnados, o sorriso anêmico do desapego a comida.
A mulher de pele preta e roupas sujas pelo tempo de “residência nos espaços desprotegidos das ruas faziam a divisão “balanceada” de um resto de quentinha recebida de um turista, entre a população filial.
Os meninos e meninas reclamavam com choro renitente da quantidade de comida. Eu quero mais- diziam alguns. Para eles o que importa é o “muito” que podem comer.
A fome das crianças- amordaçada pela pobreza- tinha o tamanho do mundo!
Um dos pequenos na singeleza da infância, ainda não corrompida, pediu à mãe que tirasse uma das frutas que estava na cabeça da mulher transvestida de Carmem Miranda no cartaz institucional do governo.
Pede mãe! Pede a “futa” a “muler”, mãe! Choramingava o menino enquanto os outros faziam coro na risada que expulsava a miséria de suas almas infantis.
A cena aconteceu às 10h30, da terça-feira, do 08 de março, Dia Internacional da Mulher, na orla de Maceió, a capital de Alagoas, tão rica, mas com uma das populações mais pobres, entre as pobres das terras de Cabral.
Uma população com uma programação social predefinida e impositiva para pobreza e miséria. Pobre de maré-maré-deci
A cena naturalizada pelo olhares dos transeuntes- lugar de mulher de pele preta é na periferia da história – da herança mórbida contextualiza elementos simbólicos para uma leitura pública – para quem está disposto a sair do ciclo umbilical.
A leitura em preto-e-branco da feminização da pobreza de gênero, produzindo uma amostragem de como nós, mulheres negras estamos sub-representadas e ainda, ocupando territórios apartados das políticas públicas.
Enquanto, no cartaz exposto em praça pública, o governo do estado de Alagoas exalta recomendação ao universo das mulheres, alertando para a necessidade de uma alimentação balanceada no período carnavalesco, a mulher de pele preta e milhares de outras - balanceiam, cotidianamente, entre sua “ninhada” de crianças subnutridas e pele anêmica da sobrevida, o quase nada de “comida” que recebe como caridade alheia.
A pobreza em Alagoas gera animais anti-sociais tragados pela drogas e a prostituição dos conceitos ditos “normais”.
Quais políticas estruturantes que balancearão os bens de produção para reduzir a eliminação sanguinolenta das amplas maiorias minorizadas, dentre elas as mulheres de pele preta e parda que todos os dias desafiam a morte trancafiadas na geografia do racismo e sexismo?
No Dia Internacional da Mulher quem confrontará a “herança maldita’ para quem nasce negra, mulher e pobre nas terras da República dos Palmares?