Recebemos do Prof. Douglas Carrara, coordenador da Biblioteca Chico Mendes, em Maricá - RJ
Prezada Prof. Arisia,
Muita justa a reivindicação de democracia em Alagoas especialmente em virtude de seu passado histórico, no seu artigo: “O único secretário negro que compõe o governo de Alagoas é interino”,
O que considero injusto, exatamente em função desse passado histórico, é não reconhecer também o direito dos indígenas de Alagoas que foram tão massacrados quanto os negros, ainda que tenham tido o mesmo tipo de participação na organização da república dos Palmares tanto de um lado quanto do outro da frente de batalha.
Inúmeras etnias indígenas participaram da luta pela formação do grande quilombo dos Palmares. Sabemos que Alagoas era basicamente o território dos índios caetés que foram injustamente acusados de terem trucidado e ingerido o bispo Sardinha. A acusação injusta serviu apenas de pretexto para que os portugueses de Pernambuco invadissem a região para caçar os caetés.
Pouquíssimos caetés sobreviveram à chacina. Aos portugueses, interessava apenas o território livre da presença dos índios, para poder expandir e instalar novas fazendas com escravos de origem africana.
Por isso considero que o movimento negro em defesa de seus direitos não deveria ser organizado em torno das etnias de origem africanas aqui introduzidos como mão de obra escrava, mas deveria ser um movimento em defesa dos direitos das etnias africanas e indígenas nativas, ambas igualmente escravizadas e submetidas a um regime cruel que visava apenas a utilização esgotante da mão de obra.
Há que se ressaltar também que desde o processo de conquista, a miscigenação foi intensa entre as diferentes etnias que participaram do processo de colonização. Especialmente no nordeste onde o processo de contato foi muito intenso, o relacionamento entre etnias africanas e indígenas foi extremamente comum, talvez em maior escala do que no resto do país, com exceção de São Paulo.
Por isso é mais fácil encontrar sangue indígena nos mestiços aparentemente afro-descendentes do nordeste, do que sangue de origem européia.
E se isso é verdadeiro e as pesquisas genéticas estão buscando esclarecer esta questão delicada, nada mais justo que criar um único movimento envolvendo todas as etnias que foram escravizadas e que na verdade foram os verdadeiros construtores e trabalhadores da nação brasileira.
E se a participação populacional indígena foi menor em termos numéricos, tudo isso ocorreu porque a resistência física do indígena ao processo desumano de escravidão foi menor e o nativo indígena sucumbia mais rapidamente e preferia morrer ou suicidar-se a se submeter a um tipo de trabalho que violentava profundamente suas raízes culturais.
Além disso, um movimento que abrangesse as duas correntes étnicas e culturais formadoras da nação brasileira obteria muito mais legitimidade e apoio, tanto internamente quanto externamente. E os laços de união do movimento seriam não apenas a questão racial, mas a questão social e política da escravidão.
Acredito que a proposta possa gerar dificuldades, mas não é impossível, já que existem inúmeros movimentos indígenas em todo o Brasil buscando igualdade de direitos. É apenas uma questão de coerência histórica. Pense nisso.
Cordialmente
Prof. Douglas Carrara
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