Era um menino como tantos outros: boné, bermudão estilo surfista, sandálias de dedos.
Avistei a fúria cega em seus olhos, bem de longe, como um alarme tinindo para que todos os sentidos ficassem em alerta.
Deveria ser um menino como tantos outros, beirando aos doze anos. Era um menino negro que passeava pelo passeio público, às 7 horas da manhã, um dos lados da camisa displicentemente preso no cós do bermudão, o boné cobrindo os cabelos carapinha, mas ele não era um menino igual aos outros.
Tinha cunhado na alma os anos de desprezo.
Primeiro, fazia um mês, o pai o jogara na rua dizendo que ele já era homem e precisava arrumar o que fazer, além do mais era uma boca que pesava muito na hora do ‘comê’.
Era menino, mas comia feito gente grande, segundo o pai.
A mãe chorava agarrada à saia do vestido como alguém que sente a alma ser despedaçada; mas seu “homem” dissera que era para ficar quieta, não falar nada.
E ela não falou.
O menino olhou os olhos do pai e sentindo que ali existia uma verdade sem volta, odiou aquele adulto que no lugar de pegá-lo no colo despiu sua alma , e deixou ao Deus dará , sem abrigo e sem família.
Olhou os olhos da mãe e chorou com ela. Sem lágrimas, porque segundo o pai: homem não chora.
E foi assim que ele foi parar na rua: despido de elos humanos e com uma fúria do mundo porque seu pai não o quisera mais.
Porque a miséria fez com que seu pai deixasse de ser seu pai para pensar em racionalizar a comida e manter os outros filhos menores.
Era uma carrada de meninos e meninas. Ele o mais velho de 12 filhos , uma multidão de gente,morando em um barranco de papelão fedido, sujo e cheio de ratazanas.
A mãe, coitada, às vezes botava umas flores para enfeitar a casa, mas não tinha jeito. Era menino demais e miséria de montão.
Mesmo na rua o menino pensava na mãe. Ainda não entrara no mundo das drogas, nem do crime porque não queria que mãe tivesse vergonha dele.
A mãe já tinha desgosto demais.
Na noite do Natal fora no barraco da família só para abraçar a mãe. Ela escondido do pai lhe dera um pedaço de panetone que umas pessoas tinham dado por caridade.
A mãe guardara um pedaço para ele porque sabia que seu menino iria aparecer.
Passara a noite conversando sonhos com a mãe, embaixo das estrelas, enquanto o pai roncava, bem,alto lá nos fundos do barraco.
Pela manhã pegara seu coração e voltara a seguir a trilha da rua, armazenado a revolta na fúria do olhar.
O olhar do menino traduzia a dor do abandono.
É urgente que o estado alagoano estabeleça um repertório de ações e instrumentos na busca de construir e instituir a política de promoção dos direitos para a juventude , para que muitos meninos e meninas , negros ou não,possam continuar a viver a infância repleta de sonhos, inclusive ,aquele do Papai Noel.
Era um menino que contava 12 anos de vida e por conta da ignorância gerada pela miséria instituída da família, passara o natal na rua.
Só!

Raízes da África