A blusa azul e a saia vermelha remetem às cores da bandeira alagoana que as tomou emprestado dos ideais da revolução francesa, cujo lema é liberdade, igualdade e fraternidade.
A mulher de pele preta de blusa azul e saia vermelha ainda porta em uma combinação involuntária (?) sandálias ornamentadas com tiras brancas.
É verdade que o branco das tiras da sandália que usa a mulher de pele preta faz muito perdeu o frescor de novidade. O solado, explicitamente, gasto traz notícias dos muitos caminhos percorridos pela mulher de pele preta que se veste de revolução e nem percebe.
A pele preta da mulher que armazena a poeira do descaso sócio-institucional está encardida pelas zonas de conflito já percorridas: fome, violações, desrespeito, racismo.
Não, a mulher de pele preta não é dependente química.
Conta contrita uma história de abandono familiar, pobreza, abusos, entremeada com trechos de contos de fada que gostaria de ter vivido.
Apesar da fuligem que toma conta de toda pele preta da mulher, aparenta pouca idade,a mulher que traz a escravização na pele, desde a colonização das terras de Cabral.
O estado e a sociedade “culpabilizam” a procissão da população de pele ,ou não, por habitarem as ruas da “Cidade Sorriso”.
Pessoas de pele preta “enfeiam” a urbanidade de uma capital que foi feita para recepcionar turistas. Afinal, Maceió, capital do estado de Alagoas, é um dos mais importantes pólos turísticos do País.
São 6h30 da manhã de domingo e a mulher de pele preta vestida com uma blusa azul, saia vermelha e sandálias, com gastas tiras brancas vomita um desabafo matinal: É muito ruim dormir na rua! Ela diz isso assim, de relance ao cruzar comigo, numa manhã de domingo,quase véspera de Natal, a festa cristã. Faz o desabafo e segue adiante para vasculhar no lixo a primeira refeição da manhã.
Paro e me volto para observar a mulher de pele preta, igual a minha, que dorme na rua e vasculha a primeira refeição do dia no lixo, ainda fresco, das casas próximas.
Nas ruas da Capital Sorriso a mulher de pele preta diz que sofre, e,é muito ruim dormir na rua.
Terá motivação política para “desestabilizar o governo”, a declaração da mulher de pele preta que mesmo vivendo na miserabilidade das ruas não se acostumou, ainda, com o descaso institucional?
Qual o significado político-ideológico da grande maioria dos viventes da rua ser de pele preta?
Ah! Mas vamos deixar isso para lá.
É Natal!