Eram duas meninas de pele preta plantadas em um coqueiro na orla de Maceió.
Eram duas meninas. Uma deveria ter seus cinco anos, a outra no correr dos sete. Duas meninas penduradas em um coqueiro, como frutos naturais dos viventes das ruas  que têm o céu por testemunha dessa desventura do nada ser.
No entorno, soltos na grama, como cadáveres sem histórias e memórias sociais, homens e mulheres, todos de pele preta, no meio de um monte de quinquilharias que usavam como apetrechos de sobrevivência.
Uma lata, ainda suja de tinta, era a panela que guardava, das moscas vorazes, a alimentação da grande família. Despida de liquido uma garrafa de cachaça jazia solitária, por entre as pernas do homem de pele preta e roupa muito, muito suja.
O homem de pele preta, assim como a grande e família se esbaldavam na gratuidade do espaço da grama, circundados por caríssimos edifícios na orla da cidade de Maceió.
As duas meninas de pele preta e largos sorrisos de dentes amarelos brincavam displicentemente no coqueiro da orla, uniformizadas com a inocência da infância.
As duas meninas de pele preta vestidas com uma camisa onde se lia: Eu amo Alagoas estavam resguardadas pela roupa da família que desfraldadas ao vento, marcavam território.
Território da sobrevivência!
Ainda não se drogam ou se prostituem. São apenas meninas de 05 e 07 anos que não percebem as cercas intransponíveis (?) sendo levantadas para expulsá-las dos espaços sociais.
São duas meninas, ainda, de 05 e 07 anos que sobrevivem em espaços descampados de direitos.
São duas meninas que não são nossas filhas. Foram paridas na rua!
Duas meninas sem a consciência das ruas, mas sendo alimentadas pelo rastro pernicioso dos programas universalizantes do estado que incólume continua a projetar o roteiro do descarte dos pobres, os de pele preta e os marginalizados pela ausência dos direitos civis.
Os invisíveis!
Invisibilidade que será quebrada, no provável, encontro com as drogas, descerrando de vez, a cortina do isolamento social.
Tornar-se-ão criminosos ou noeiros perseguidos pelo olho cego da justiça.
Filho de rico é dependente químico. Os viventes, filhos da rua são vagabundos ou noeiros. Forasteiros na rota da cidadania.
Contradições e circunstancias que continuam a gerar uma sociedade sob o signo do apartheid.
A moçada das drogas é fruto do descaso institucional dos homens do poder com a humanização social.
Terão oportunidades essas duas meninas de cultivar interesses e afetos?
São duas meninas na rua que ainda vivem no subsolo social ,como sub-registro de uma  cidadania com saúde alquebrada.
São duas meninas de pele preta que precisam tão somente que o Estado, exercendo a parte que lhe cabe,  ofereça um programa de caráter permanente com direito a educação,saúde,renda,moradia,lazer e cultura.
Uma segunda proclamação da república onde cada habitante da rua, pobres e os de pele preta ou não,  possam deixar de serem  sub-cidadãos. De segunda, terceira ou sem classe alguma.
Enquanto isso não chega...
As ruas em Maceió são portos da fome social ,repletas de cadáveres insepultos.