Essa lição toda escola deveria reaprender. Vale  a pena...

O celular de Luciana Landrino tocou às 19h30m do domingo retrasado. Dooutro lado da linha, uma voz perguntou: "Você é a diretora da EscolaJoão de Deus? Gostaria de parabenizá-la." Era a secretária municipal de Educação, Cláudia Costin, que tinha acabado de receber os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2009. A escola tirou o primeiro lugar no Estado do Rio na 1ª à 5ª série do Ensino Fundamental, com uma meta prevista para ser alcançada só em 2021. Na terça-feira, Cláudia e o prefeito visitaram a pequena escola da Penha Circular, na Zona Norte, que tem 13 professores e atende 314 alunos daregião, entre 4 e 12 anos. A nota média do Rio foi 4,7-6 é ensino de Primeiro Mundo. A João de Deus-nada a ver com o papa e sim com o poeta português -tirou 7,8, à frente de escolas como Pedro II e CAp. O colégio foi inaugurado em 1992, de forma emergencial, previsto para durar sete anos. É pré-fabricado, com telhado de zinco. Uma caldeira.
Na visita, Eduardo Paes disse: "Vocês deram um show. Tudo o que pedirem vou comprar." Ela brinca: "A lista está sendo tão grande que não acabamos." Na verdade, o sonho maior é a climatização. E a reforma do clube vizinho, que está abandonado, para abrigar atividades.Muito pouco para uma escola campeã.

REVISTA O GLOBO: O que explica o sucesso da escola?
LUCIANA LANDRINO: O índice de aprovação sempre foi bom, mas sentimos que os alunostinham dificuldade de interpretar o que era solicitado.
Sabiam o conteúdo, sabiam fazer contas, mas havia a preguiça de ler. Com isso, erravam a questão. O jeito era estimular a leitura, mas pelo prazer, não pela obrigação. Temos o projeto Gosto pela Leitura. Todo fim de semana eles pegam dois livros, levam para casa e lêem. Depois o professor pergunta se leram tudo e se gostaram, para ver que tipo de leitura agrada mais. Nessa hora, não é cobrado o conteúdo, a
gramática, a interpretação de texto. Temos jornal mural, saraus de poesia, dia da contação de história. Nas paredes da escola, estão expostos os trabalhos. Há também o correio escolar, em que eles escrevem cartas para colegas e professores, e depositam numa caixa de verdade, emprestada pelos Correios.

Foi fácil implantar o projeto Gosto pela Leitura? Tivemos que fazer um
trabalho de conscientização.

No início, os livros estragavam com facilidade. O cachorro comia, o irmão menor rasgava, a chuva molhava. Ou então não eram devolvidos. Hoje não. Descobrimos que eles gostam de poesia. Eles se acham uns poetas. Criamos o Dia do Autógrafo. Os alunos fazem livrinhos em sala de aula e chamamos a comunidade para conhecer seus novos escritores. Nas aulas, trabalhamos autores como Cecília Meireles, Vinicius, Pedro
Bandeira, Machado de Assis. As mães são todas de classes mais baixas? Tenho mãe dentista, advogada. A filha de uma empresária, dona de um jardim de infância particular, ficou três anos com a gente. Ela nos agradeceu, viu o crescimento da filha, que passou a fazer poesia. Essas mães ouvem falar de crianças que saíram daqui e foram para as séries seguintes, onde estão sempre bem classificadas. Tudo isso graças à base que demos. Tivemos um menino que passou para o Colégio Militar e veio aqui todo fardado. Ano passado, oito crianças nossas passaram para o Pedro II e o Colégio de Aplicação, sem cursinho. Os quatro filhos de uma senhora que mora no Morro do Cruzeiro estudaram aqui e estão encaminhados. Jorge Lafond foi nosso aluno.
Pelo Orkut, recebemos mensagem de um ex-aluno, hoje designer da Sony Music.
Vocês têm conseguido reduzir preconceitos, não? Há a mentalidade de que o aluno da rede pública é um coitadinho. Os pais acham que não podem exigir qualidade porque não estão pagando. Ou então aceitam que o resultado do filho seja baixo porque está em escola pública. Temos mudado isso. Também há a idéia, por parte de mães de crianças
especiais (com síndromes e deficiências), de que o filho está ali apenas para se socializar, conviver com colegas, sem condições de acompanhar a turma. Alteramos isso. Temos sete alunos especiais. Um ex-aluno com paralisia cerebral concluiu o Ensino Médio, outra está concluindo. Na escola, faltam professores de informática, quadra esportiva, auditório, ar-condicionado... Mas sobra trabalho, comprometimento,
perseverança, motivação. Não temos computadores nas salas, mas não são eles que vão desenvolver o gosto pela leitura e pela escrita. Estou há 20 anos como diretora (a eleição é de três em três anos e na última, há dois, foi reeleita com 97% dos votos de alunos, pais e professores). Se quiser posso me aposentar ontem, mas gosto do que
faço. Não nos acomodamos com o primeiro lugar. Está todo mundo torcendo: "Ah, agora quero ver." Mas vamos