Reproduzo abaixo do blog:  "aqueladeborah.wordpress.com "texto que achei interessante escrito pela Deborah Sá, em abril de 2010. Façam suas interpretações...

Hoje resolvi almoçar fora (99% dos dias almoço marmita), depois de montar meu prato “modesto” com arroz e agrião, feijão, escarola, cenoura, palmito, batata sorriso, fritas, polenta (carboidrato no frio ), sorridente perguntei a uma senhora se eu poderia me sentar ao seu lado (um dos poucos lugares disponíveis). Ela assentiu.
Meu prato era muito maior que o dela, já que mulheres em geral comem pouco se comparadas com homens. Em seu prato havia uma carne rosa (salmão?) e uma marrom, arroz integral e alguns legumes. Quando estava finalizando meu prato soltei um suspiro (daqueles que a comida está muito boa. Não estava “explodindo”, só expressando satisfação). E a mulher fez uma cara estranha pra mim e eu respondi com um sorriso:
- Comer é tão bom né?
- Hum, é mesmo… a melhor coisa da vida.
- Uma das melhores de fato.
- (Silêncio) Olhando pro meu prato com cara de “que ogra”.
- Eu como mesmo
- Tô vendo…
- Tem gente que conta calorias, sou feliz assim, fora que quase não como
gordura saturada e minha saúde está ok. Pra que me privar não é mesmo?
- É, porque aí já vira doença, igual a menina da novela, você acompanha?
- Não, quando eu chego em casa já acabou…
- Ah, aquela mãe tem muita paciência com ela! De onde você é?
- Eu sou do Centro, mas trabalho aqui perto.
- Hum, pensei que você era do Sul (fez gesto de “rosto” na cara).
- Não. Minha mãe é Pernambucana, meu pai é Paulista.
- Bem, tenho que ir. Qual seu nome? Prazer, boa tarde.
Assim que ela saiu duas senhoras conversavam o quanto era difícil ter que pagar tantas contas: O carro, a empregada, o supermercado…
Este tipo de situação me faz sentir desconfortável: Perceber como o mundo me vê.
Será que se eu fosse negra ela conversaria comigo?
A cor da minha pele faz toda essa gente com comportamentos estranhíssimos (falar de empregada na categoria “coisas” e achar que salva o mundo porque paga alguém que limpa a privada da família -volta pra casa de pé no ônibus lotado para limpar outra casa), se identificar comigo.
Minha mãe é Pernambucana, veio pra SP ainda pequena, minha bisavó paterna veio da Itália para trabalhar como mão de obra barata.
Meus pais passaram por muitas dificuldades quando crianças, meu pai não concluiu o ensino fundamental (e é analista de sistemas), minha mãe faz hoje a primeira faculdade: Serviço Social. Trabalhou “em casa de família” onde separavam os talheres dela dos outros.
Mas quem me vê não conhece minha história e a impressão que eles têm é essa: Sou como os filhos deles que usavam uniformes bonitos e comiam Pringles sem nunca lavar um banheiro.
Não quero dizer que sou coitadinha branca (eca! longe disso!), reconheço que mesmo com tanta coisa ruim na minha vida, é fácil imaginar que muitos acontecimentos foram relacionados com a minha cor. Reconhecer privilégios é fundamental.
Quando a classe média se chama de pobre e brancos falam que não tem vantagens sociais “sofrendo de maneira igual” isto NÂO é verdade.
* Fui escolhida para ser Branca de Neve (mesmo gorda) em uma peça da
escola, qual garota negra é escolhida como princesa?
* Nunca xingaram meu cabelo ou queimei a testa pra alisá-lo.
* Nunca se afastaram de mim com medo que eu assaltasse.
* Nunca falaram: “Deborah, essa cor não combina com sua pele”.
* Embora não use maquiagem, são direcionadas a pele branca usualmente.
* Nunca falaram: Este estilo que você ouve é música de branco-com uma careta em seguida -.
É horrível privar/restringir uma menina negra de ser quem ela É.
É óbvio que não percebo outros grandes problemas por não vivenciar a realidade da mulher negra. Um que noto e me magoa é ouvir meninos/garotos/homens negros dizendo que querem namoradas loiras.
Não pretendo liderar a luta da mulher negra, julgo importante que mulheres brancas não se esqueçam que fatos muitas vezes imperceptíveis a nós, fazem a diferença da forma como o mundo nos trata. Mulheres negras são exemplos de superação.