O menino tinha 08 anos e a tez preta, cada vez que ele chegava à escola os coleguinhas o chamavam de neguinho da favela, e zumbizinho.
Zumbizinho , apelidio nascido de um imaginário sócio-colonial que imputa a população negra o conceito que atravessa gerações da submissão e servidão humana.
Dia 13 de maio, o menino chegou a casa com as lágrimas estuprando o caminho entre a alma e a dor que o enchia de constrangimento.
O que foi meu filho? Perguntou a mãe. E ele vestindo a envergadura que o isolava do pertencimento étnico indagou, buscando ouvir um não como resposta: Mamãe, eu sou negro?!
A mãe recusando-se a transmitir o fardo de sua biografia pessoal e dos conflitos exclusivos pela cor da pele , apesar do alto padrão econômico, para o pescoço infante do menino, seu filho, usou o discurso-padrão da miscigenação nas denominações descritas pelo IBGE como recurso bóia-auto-estima: Não, filho você é moreno!
Como também poderia ser moreno-fechado, morenão, moreninho, mulato, mulatinho, pardo, pardo-claro, pouco-moreno, queimado, queimado-de-praia, queimado-de-sol, amorenado, bem-moreno, bronze, bronzeado, bugrezinho-escuro, burro-quando-foge, caboclo, café, café-com-leite, cor-de-canela, cor-de-café, cor-firme, crioulo, escurinho, marron, meio-amarela, meio-branca, meio-moreno, meio-preto, mestiço, misto, moreno-bem-chegado,moreno-bronzeado, moreno-claro, moreno-cor-de-canela, moreno-escuro.
O menino, pequeno na sua ânsia de desvendar os mistérios do mundo respirou aliviado. Amanhã pensa ele - dirá aos colegas que não é negro, pois a mãe- sua senhora de todas as verdades - dissera que ele era moreno. E ser moreno não é ser negro,portanto...
Identidade genuinamente camaleônica e nacional que apóia princípios de que a pessoa que tem cabelos pretos é morena e se a tez for preta morena também o é.. Mas como funciona isso nos espaços de oportunidade social?
No dia seguinte o menino investido da sabedoria ancestral volta a escola com a certeza de que tais argumentos sepultariam as perversas “brincadeiras” dos seus colegas de turma.
Ao primeiro que o chamou de neguinho ele retrucou acobertado pelo poder materno: negro, não. Eu sou moreno, minha mãe que disse!
E o coleguinha da mesma classe social e do alto da sabedoria étnica decapitou a crença do menino com palavras que abrem feridas no âmago da auto-estima infantil: Além de ser negro é burro. Você é negro, porque todo negro é escravo, entendeu?
E quer saber sua mãe é tão negra quanto você!
Não o menino não entendera. O que mesmo dissera a mãe?
Em poucas palavras, o menino de pele clara, da escola seletiva, derrubou o argumento da tal democracia racial. O país dos miscigenados renega a cor do continente na pigmentação de peles alheias.
O país dos miscigenados alimenta o sectarismo na alma da infância no trato com as relações raciais.
Como estabelecer a adoção das Ações Afirmativas para a população negra do país em que tantos utilizam de uma constante reelaboração do olhar identitário para afirmar-se morenos?
Porque o caldeirão da cultura-miscigenação-brasileira não metamorfoseia brancos em meio-brancos,pouco-brancos,menos-queimado,sem-bronze,branco-claro,branco escuro,branco-cor-de-neve, leite-com-café e etc,etc,etc?
O território da escola de classe alta rejeita que o menino negro faça parte do percentual de negros com padrão de vida condizente com a riqueza, com posses materiais para impor-se nos espaços colonizados por idéias calcadas em superioridade étnica.
O menino não entende porque a turma o rejeita. Só um ou dois coleguinhas se aproximam, um tanto intimidados. Afinal o que tão diferente tem ele que causa esse distanciamento da turma. Será por conta da cor?
Um dia a tia chamou a atenção dos seus coleguinhas pelo tratamento que davam ao menino imerso na busca de uma dignidade de ser ele mesmo na construção da infância.
A tia falou e a turma se calou. A turma amava a tia, mas não amava o menino. O menino não era um deles.
Um dia a mãe do menino “moreno” foi à escola resgatar os documentos do filho "negro", porque a escola "branca" não soube trabalhar a diversidade propagada na Constituição do país "mestiço": Somos iguais?!
O menino decidiu que se a escola não o quer,ele também não quer a escola.
Evasão, repetência, distorção-idade-série? Eis uma boa maneira de exercitar a aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 e Lei Estadual/AL nº 6.814/07.
O racismo é uma Hiroxima. Destrói!
“Pensem nas crianças mudas, telapáticas
Pensem nas meninas cegas, inexatas
Pensem nas mulheres rotas, alteradas
Pensem nas feridas como rosas cálidas”
Afinal, porque é tão difícil assumir a identidade negra no segundo país com o maior percentual de população negra do planeta?
Racismo é bullying?