Palmares, o parque encravado entre a Serra da Barriga e a indiferença sócio-histórica foi semi- despido nas páginas da Revista Raça, que está nas bancas.
Semi-despido, pois o jornalista, apesar de imprimir imagens que dão a dimensão exata da importância do primeiro complexo arquitetônico de inspiração africana no Brasil e o único projeto afro-cultural do continente americano, não investigou os contemporâneos projetos de resistência humana que atualmente residem e mobilizam o espaço histórico que hoje se constitui em uma das mais valiosas relíquias da humanidade.
O guia José Carlos dos Santos, citado na reportagem, é para tantos e muitos, simplesmente o Ito, um menino que aprendeu a respirar vida a partir da construção do parque. Paus, pedras e exploração das possibilidades foram argamassas que fizeram o autodidata Ito, aprender a falar fluentemente quatro idiomas: inglês, francês, japonês e espanhol, com um dicionário que Patrícia Mourão emprestou para ele e segundo os turistas “estrangeiros” a pronúncia do guia aprendiz –que antes de guiar pessoas, aprendeu a guiar a sua própria história- é muito boa.
A determinação do menino pobre e autodidata, que mora no ventre da Serra, o fez em 2008, ser aprovado em 1º lugar no Curso de Letras/Espanhol na Universidade Federal de Alagoas.
A história do parque e do Ito se confundem. Pelos caminhos do parque o Ito canalizou através da “brincadeira” a energia pessoal de intervir na sua própria realidade e modificá-la afirmativamente. Isso é herança ancestral.
Agora “estrangeiros” buscam ajudá-lo concedendo bolsas para que possa se especializar fora do 2º país mais negro do planeta.
É, santo de casa faz milagres lentamente...
E o Ito fala da importância do parque em sua vida: “A Serra da Barriga é algo muito importante para União dos Palmares, Alagoas e para o Brasil, e até mesmo para os próprios moradores da Serra da Barriga. É algo ainda mais significante, pois foi da Serra da Barriga, que surgiu a luta contra os maus tratos com os negros e índios que lutavam pelas suas liberdades e de lá surgiu o grito de liberdade. A Serra da Barriga também é muito importante para mim, pois lá eu sinto o ar puro da natureza e os cantos dos pássaros, e lá eu sei que estou morando um lugar muito importante para o Brasil”. ( trecho de entrevista realizada pela jornalista Helciane Angélica/março 2008)
Talvez não seja fácil seguir a trilha de revisão da história da submissão humana a que fomos submetidos, mas é um caminho possível.
Subir a Serra é invadir zonas arqueológicas e pessoais. É escavar um longo túnel entre o que somos e o que de Áfricas ainda restam em nós.
Subir aquela Serra é respirar fundo. É falar de determinação, exclusão, insistência, persistência, crença e coragem de resistir a sistêmica pressão do pátrio poder. É não se render ao cansaço de nada querer ser.
Idealizado e construído pela determinação de Patrícia Mourão e sua equipe o Parque Memorial Quilombo dos Palmares ,ainda não espalha as vibrantes histórias da resistência negra, para gente das bandas de cá. Um quase desconhecido na geografia da história dos livros das Alagoas, o templo da resistência de homens e mulheres que ousaram ser livres só é reabilitado a condição de “ponto histórico”, na semana do 20 de novembro.
Na verdade o Parque Memorial Quilombo dos Palmares é um verdadeiro espetáculo de palavras, histórias e gentes significativas. Gentes diversas, dispersas e múltiplas.
O parque é um espetáculo único que deveria mobilizar a sociedade e os militantes negra o ano todo e todo ano para re-construção do mosaico de formações humanas como ponte entre passado e presente e o possível futuro, não só no 20 de novembro.
Uma grande pena que a sociedade, como também a militância negra, ainda não tenha aprendido a ler a história da nossa geografia étnica nos relevos, cores e ações singulares da barriga, lá na serra dos Palmares.
Uma grande pena que o Parque não tenha se transformado em lição de casa para o exercício da Lei Federal nº 10.639/03 e Lei Estadual n° 6.814/07.
A República Negra de Palmares afirma, reafirma e reforça sob o olhar do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, o nosso potencial de, no caminho entre o apartheid da escravização e o ocaso, tenhamos descoberto a liberdade como ferramenta em um parto para novas perspectivas e expectativas das possibilidades humanas ...