Era um corpo perplexo jogado na calçada. Um ser humano demolido da sua dignidade. Nos olhos lágrimas estupradas pela intolerância humana. Na roupa surrada pela ação do tempo, o apartheid da pandemia social de “sempre” vê-lo por entre olhares de soslaio da desconfiança secular. Na pele o crime perfeito: era/é negro!
Espalhados ao chão os produtos que havia comprado. Ao lado a nota fiscal. Acusaram-no de roubo. Pessoas ao redor se afastaram anônimas temendo o envolvimento com “problemas alheios”.
Homens transvestidos de autoridade abusavam da posição golpeando a auto-estima de um outro homem. Pessoas anônimas tornavam-se invisíveis e esquivam-se de “ver”. Era/é um homem negro, pobre e morador da favela. Veredicto: culpado!
Era/é um homem negro, pés sujos, roupas pinceladas com tintas do tempo, morador de uma das grotas de Maceió, com sangue escorrendo do nariz. E uma nota fiscal nas mãos.
O homem chorava, enxugando as lágrimas em mangas de camisa: Eu não sou ladrão! Só porque a gente é pobre eles acham que podem bater - completava com a alma combalida.
As “autoridades” justificavam a prática da violência arbitrária atribuindo a vitima, a “culpa” por desafiar o movimento da demarcação de espaços sociais.
Onde já se viu um morador da grota, pobre e negro com dinheiro para pagar compras? Na sutileza da memória humana, negro e pobre está associado à lógica do escravismo, da subalternidade, da dependência de outrem. São as cadeias invisíveis e históricas do preconceito que segregam e expelem o que não é igual.
Na lógica das “autoridades” de plantão isonomia é sinônimo de salário, nada a ver com princípios de igualdade humana.
Uma das autoridades abusadoras ainda afirmava: “Eu” ia lhe dar uma cesta básica e você vem aqui se alterar!
As benesses do poder.
O homem negro, pobre e maltrapilho chorava. A nota fiscal na mão.
Em nome de uma fictícia “segurança coletiva” o bom senso foi atropelado pela aceitação universal e tácita : até provar o contrário negro é sempre culpado.
A isso daremos o nome de segregacionismo social.
Ser branco no Brasil é ter privilégios já dizia uma mestra da geração em que o saber explodia na convivência diária e não em oficinas metódicas e emparedadas em conceitos não revisitados.
O homem negro, pobre e maltrapilho que chorava foi lesionado por ser homem negro, pobre e maltrapilho.
Ou o homem foi execrado porque era pobre?
Também!