Em outubro de 2009, atendemos com incomensurável prazer a solicitação para concedermos uma entrevista à Luciana, participante entusiasta de nossos encontros afro-alagoanos de educação e aluna da Faculdade de Educação e Comunicação, do Centro de Estudos Superiores de Maceió, o CESMAC, tendo como objetivo fundamentar o trabalho conclusivo para o Curso de Pós-Graduação “Latu-Sensu em Geo-História”, sobre ações afirmativas para a população negra. A disciplina Metodologia do Ensino II, ministrada pelo professor doutor Luis Paulo Mercado.Luciana assim como Camila Carnaúba, tem feito a roda da vida girar, multiplicando e resignificando a importância dos encontros afros alagoanos de educação.
Abaixo socializamos a entrevista:
ENTREVISTA: Ações afirmativas para negros
Arísia Barros é formada em Letras pelo Centro de Estudos Sociais (CESMAC) e tem especialização em Educação e Literatura pela Universidade Cidade de São Paulo. Poetiza, escritora e redatora é co-autora da Lei Estadual nº 6.814/07. Consultora para aplicabilidade das políticas educacionais para uma pedagogia anti-racista: Lei Estadual nº 6.814/07 e Lei Federal nº 10.639/03. Consultora no estudo das relações étnico-raciais no contexto escolar,embasada na implementação da Lei nº 10.639/07 e Lei Estadual nº 6.824/03.Consultora para elaboração de programas de combate ao racismo. Atuou por 05 anos como Coordenadora do Núcleo Temático Identidade Negra na Escola e Gerente de Educação Étnico-Racial da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte. Atualmente coordenada o Projeto Raízes de Áfricas.
L e C- Para darmos início a nossa conversa você poderia reconstituir a sua trajetória acadêmica e como passou a se interessar pelo estudo das relações raciais?
Arísia Barros: Os estereótipos, a segregação dos espaços seja na escola, ( Faculdade, Agência de Propaganda pelas quais passei) e as injustiças sociais impetradas pelo racismo me mobilizaram a estabelecer um foco de trabalho: discutir até a exaustão sobre as mazelas do racismo na busca de provocar o diálogos em rede de pessoas e para o desenvolvimento, formulação e implementação de políticas públicas, principalmente no estado de Alagoas.
L e C- Qual a sua avaliação sobre a Lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino de “História e cultura afro-brasileira” na rede oficial?
Arísia Barros- A escola brasileira consegue estabelecer um parentesco consangüíneo com as concepções da dominação colonial, construídas a partir de uma colagem eurocêntrica, inviabilizando a existência do povo negro. O agravante no processo histórico/educacional é a naturalização do racismo. Existe algo de errado num mundo/escola, país-50% africano - em que as pessoas buscam uma hegemonia ariana. Qual a Alemanha que vive em nós: a de antes ou depois do muro? A escola brasileira precisa traduzir em seu currículo a observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Criar histórias positivas dos povos ditos diferentes: negros/negras, indígenas fundamentando um olhar cúmplice sobre o sentido cíclico da história da humanidade. Só o conhecimento quebra as fronteiras do preconceito, traduzindo uma escolarização capaz de romper com a consolidação de estereótipos sociais. A LEI FEDERAL Nº 10.639/03 é avanço na medida que busca estabelecer a consciência e o conhecimento sobre a participação sócio-política da população negra brasileira na história do Brasil.
L e C- Qual a sua visão sobre Ações afirmativas no Brasil?
Arísia Barros- As ações afirmativas são estratégicas políticas diferenciadas que tem o propósito de não só investigar como também combater a ausência de oportunidades e mobilidade para segmentos que vivem situações de desigualdade histórico-sociais. O estado brasileiro, reconhecidamente racista precisa consolidar políticas como as ações afirmativas que visam a valoração histórico-social das populações vulneráveis.; Também é necessário estabelecer políticas de orçamento específicas para o desenvolvimento de pesquisas que investiguem os problemas vividos pela população negra, visando conduzi-la a uma participação igualitária no seio da sociedade.
L e C- Para você qual o sentido de defender Ações afirmativas para a população negra?
Arísia Barros- O estado brasileiro tem uma vasta trajetória de segmentação e omissão do elemento negro na contextualização da história. O desconhecimento da historicidade negra cria um ciclo de desinteresse institucionalizado. A linguagem social da discriminação brasileira se reinventa cotidianamente e assume o discurso oficial, hierarquizando o discurso do colonizador, estabelecendo a negação de tudo que é diferente, fazendo o Brasil esquecer que é o segundo país mais negro do Mundo. As ações afirmativas são o combustível para que o Brasil lembre da multiplicidade e riqueza da sua história para que ela possa ser vista e respeitada a partir de todos os ângulos étnicos.
L e C- As Ações afirmativas respeitam os princípios constitucionais da Igualdade ou reforçam as desigualdades entre as pessoas?
Arísia Barros- Quem vive abaixo da linha do bem estar social sabe o que é viver em desvantagem em detrimento a outra parcela da população que usufrui de isonomia social. Para colocar essa população numa condição de igualdade torna-se imprescindível formular políticas públicas que estimulem o princípio da equidade. Observando pela ótica da busca de direitos e do equilíbrio social as ações afirmativas buscam auferir o princípio da dignidade humana. Isso é inconstitucional?
L e C- Quais as intervenções você acredita que podem contribuir para diminuir a distância socioeconômica entre brancos e negros e a discriminação racial no país?
Arísia Barros- O estado político brasileiro precisa acordar para questões que envolvam o princípio da igualdade humana estourando a bolha de inércia que o envolve no comprometimento político com a temática. Basicamente, existem duas formas de se combater o racismo: distribuição de renda, atendendo ao princípio da isonomia social e uma educação cuja pedagogia traduza o respeito as diferenças
O desafio é grande e apesar do apartheid que já persiste e insiste a mais de 500 anos é hora da gestão pública sair do campo das abstrações para a resolução de problemas concretos que minimizam a história e memória do povo negro.
O combate ao racismo é uma delas!
1- Ações Realizadas quando gestora do Núcleo Temático Identidade Negra na Escola e Gerência de Educação Étnico-Racial, da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Estado de Alagoas em 05 anos de atuação:
? Primeiro estado do Brasil a estadualizar a lei federal nº 10.639/03, através da legislação estadual nº 6.814/07, de 02 de julho de 2008.
? Realização de 33 Encontros Afros Alagoanos de Educação - Alagoas é o único estado do Brasil a oferecer formação permanente e continuada em diversidade étnico-racial.
? Avanço em 70% das escolas públicas na compreensão de um projeto político-educacional que contemple a diversidade cultural e étnico-cultural.
? Articulação com instituições políticas de diferentes esferas públicas e privadas na perspectiva de garantir a execução de ações que garantam a política de promoção da Igualdade Racial, pautadas no princípio da diversidade.
? Criação de um informativo impresso, como mecanismo de discussão, apreensão e divulgação das ações étnico-raciais.
? Único estado do Brasil a criar um calendário pedagógico específico para pautar as efemérides negras e as ações na questão da diversidade étnico-racial.
? Criação de prêmios, como mecanismo de divulgação e viabilização de trabalhos e pesquisas no campo nas relações de gênero e da história afro-brasileira e africana.
? Realização em parceria com a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade e os Estados de Sergipe, Pernambuco e Paraíba, em maio de 2004, do I Fórum Educação e Diversidade Étnico Racial: A Escola e a Identidade Negra (o único no Brasil com caráter regional) 390 participantes
? Alagoas foi o 2º estado do Brasil a implementar o Fórum Permanente Educação e Diversidade Étnico-Racial, em 08 de julho de 2004- visando construir as bases para um diálogo com outros órgãos governamentais, sociedade civil e movimento negro.
? Articulação com os municípios para criação e operacionalidade nas Secretarias de Educação do Núcleo de Estudo em Diversidade Étnico-Racial..
? Realização de 06 Rodas de Diálogo - espaços criados para discussão com um número menor de pessoas sobre as especificidades da temática negra.
? Realização de encontros sócio-educativos em espaços marginalizados ( presídios, unidades prisionais de internação feminina.
? Proposição da implementação da escola de Educação de Jovens e Adultos no Estabelecimento Prisional Santa Luzia.
? Realização de um Encontro Afro Alagoano na Bienal do Livro- 2007
? Realização pioneira,com a participação do MEC do I Fórum Nacional da Consciência Negra na Educação: ‘Iká Kô Do
? Articulação para a criação da Comissão Executiva de Promoção das Políticas Públicas para a Igualdade Racial.
? Criação de espaços, nas “Rodas de Diálogo’ para as internas da Unidade Feminina possam relatar experiências e exercitar a cidadania.
? Alagoas foi escolhido por unanimidade pelo Conselho Nacional dos Secretários de Educação para ser a representante do mesmo, no Grupo Interministerial, criado pelo Ministério da Educação, para a implementação da Lei nº 10.639/03. Somos a única Secretaria de Educação do Brasil a fazer parte do referido grupo. ( agosto 2008)
? Estabelecimento de parceria acadêmica com os embaixadores de Moçambique, Cabo Verde, Angola, Cônsul de Guiné Bissau e a Comissão dos estudantes africanos da Universidade Federal de Alagoas.