Um dia no correr dos meus vinte anos determinei-me a sair de Alagoas na busca de conhecer outros lugares,investir em perspectivas. Decisão tomada comuniquei a família. Entre choros e recomendações maternas avizinhei-me da coragem, entrei em uma viagem de ônibus que durou exatos dois dias e meio e finalmente desembarquei em Belém do Grão Pará. Eu, uma mala,a mochila e a valentia da juventude.
Meu primeiro contato ao chegar em Belém foi com o mercado de ferro,o Ver-o-Peso, a maior feira livre da América Latina, eleito entre as 7 Maravilhas do Brasil.
O Ver-o--Peso fica na na Cidade Velha. Difícil descrever a sensação de liberdade que invadiu alma ao olhar aquele mundão de construção rodeado por terra-rio-mar, ou seja água,gentes e cheiros. E eu estava justamente ali, em Belém do Pará. No Norte do país! Meu coração ainda traz lugares e histórias conjugadas em território paraense.
Belém tem 394 anos e, é a segunda cidade mais populosa da Amazônia.
Há 200 anos Belém do Pará era a Capital das Especiarias, hoje é a "Cidade das Mangueiras", cercada de florestas e águas. Belém foi a primeira capital da Amazônia por isso é considerada a "Metrópole da Amazônia".
Belém é tão hospitaleira que se veste de Portão de Entrada da Amazônia. Entrada feita de caminhos sem atalhos que nos levam ao Círio de Nazaré, com sua corda feito cordão umbilical, medindo 350 metros de comprimento e 48 milímetros de espessura, unindo gentes,cheiros, suores a um pacto espiritual com a Virgem. É uma manifestação que vai além da religiosidade. Gentes sendo intérpretes da devoção absoluta na “santinha”, a Virgem de Nazaré. O Círio acontece anualmente no segundo domingo de outubro e reune em torno de dois milhões de fiéis. A primeira vez que assisti o Círio a emoção foi bombática. Belém é sacra!
Os ouvidos emparedados pelo tempo ainda escutam o regionalismo da língua do paraense, a delicadeza do “maninha” , a contradição do “o porque então?”, ou a ênfase do “égua!”
Belém é terra de cultura e histórias . É terra do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Belém se veste de chuva nos momentos prováveis.Chuva com hora marcada?
Belém é gastronômica. Que saudades da maniçoba da Dona Rosa lá do bairro do Jurunas, da pupunha degustada no café da manhã! Provei o açaí e não gostei. O que para o povo do Pará era um sacrilégio. Açaí no Pará é religião.
Morei em Belém do Pará alguns anos e ainda hoje escuto os ecos de saudade nas esquinas da memória. Benditos sejam os dos arroubos da juventude minha!
Ainda hoje relembro as curvas e travessas mais estreitas da Cidade Morena. As repúblicas que me abrigaram. Primeiro a das meninas, depois dos meninos. Em Belém aprendi o que é solidariedade humana, aconchego. Lembro da rua Humaitá, minha primeira moradia, de verdade. Das andanças pelas noites de Belém. Conheci a Belém embriagadoramente profana. O eclético e a poesia da malandragem se encontrando nos bares da Praça da República.
Eu no alto dos meus vinte e poucos anos fui pro Pará e parei, cheguei em Belém fiquei, ao menos por alguns tempos. E nem açaí tomei...
Tardo um tempo para arrumar palavras são saudades imensas da cidade com pefume de ervas. Faz tempo que não a vejo. Exatos 20 anos!
Foram três meses de aperreio na busca de colocação como profissional. Como professora me foi oferecido um emprego em Xinguara, interior do Pará, como havia um histórico de extrema violência na cidade resolvi não aventurar. Afinal toda aventura tem limite. Tinha saído de uma pacata Maceió de singelos passeios pela madrugada afora e é claro que não iria ser tão afoita de me jogar no olho do furacão. Apesar da determinaçãoa de persistir e insistir as necessidades materais ameaçavam se transformar em um oceano de desespero, até que respondi a um anúncio de jornal.
Conclusão: Consegui estágio, como aprendiz de redatora publicitária, na maior Agência de Publicidade do Norte Nordeste, a Mendes Publicidades. Salva pelo gongo!
Conheci Osvaldo Mendes em 1986 quando estagiária em redação publicitária entrei para fazer parte do “cast” da Mendes.
Apesar da inevitável relação de hierarquia ,Osvaldo Mendes, foi professor inspirador ao dizer que a melhor forma de lidar com os riscos é encarar o desafio de enfrentá-los e tirar disso o melhor aprendizado para a vida. O mestre que realimentou conhecimentos com intervenções cruas, duras que dessarumavam as idéias, nossos cinco sentidos e nos instigava a devassar sem complacência os ousados caminhos para o manuseio e a conseqüente criação-criativa.
Com Osvaldo Mendes aprendi a força e o poder que moram no protagonismo da ação nunca antes pensada. Analisar, comentar, dissecar, esgotar e reinventar caminhos da criação, criando.
E a lição foi tão bem aproveitada que uma das nossas primeiras peças produzidas para a Mendes, com o título de “Rádio Marajoara? Eu, hem,nem te ligo!” foi premiada com a medalha de bronze no Prêmio Colunistas Norte-Nordeste -1986.
Aprendi com Osvaldo Mendes a ficar atenta a oportunidade. É do ocaso que extraímos a essência do novo.
Recordar é fazer um passeio por tempos e caminhos que se cruzam entre a saudade e um vasto território da aprendizagem humanizadora e profissional. A experiência de viver em Belém e ter trabalhado a filosofia à La Mendes, “perfeccionismo como palavra de ordem”, foi e ainda é um divisor de águas em relação à minha história pessoal e profissional, sucessos, referências e coisas tais
Osvaldo Mendes merece ser tratado em capítulos múltiplos. Como se fosse a interpretação dos muitos talentos que descobriu como um substancial inventário de vidas.
Conhecer Osvaldo Mendes foi fundamental para minha atual biografia de vida. Conviver com seu perfeccionismo da prosa enxuta, precisa e sem volteios me fez valorizar as possibilidades da palavra. Aprendi a fazer sempre um bom trabalho, ser reconhecida pelo desenvolvimento da ação pioneira e sobretudo inédita
Um dia peguei o ônibus de retorno e vinte anos após o regresso escrevo essa carta, meu caro Osvaldo Mendes como forma de agradecer todos os pontos desfiados, os rasgos das interrogações numa permanente decifração da idéia bruta.
Obrigada, Osvaldo Mendes, por fazer-me descobri que “a palavra é o meu domínio sobre o mundo”. Como diria Lispector, a Clarice.
Obrigada!

Raízes da África