Esse é mais um artigo extenso que em alguns momentos foi fragmentado em pequenos artigos para tornar a leitura mais palatável. Publicado em 06 de setembro de 2008, no Caderno Saber da Gazeta de Alagoas, o artigo precedeu ao “Debate Democrático pela Diversidade: Meu Voto Tem Cor. A Cor do Compromisso Cidadão”. A idéia do debate, organizado em nossa coordenação na época a frente do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas foi possibilitar espaços político-afirmativos para discussão da temática racial, o envolvimento dos vários segmentos da sociedade na construção participativa e consciente de políticas públicas para a área da saúde, educação,emprego e renda da população negra maceioense, permitindo-lhes uma análise crítica acerca das diferentes plataformas de governo, ao tempo que possibilitará aos candidatos a apresentação das idéias, enquanto políticas públicas.
Na época estiveram presentes os então candidatos Mário Agra (PSOL), Solange Jurema, (PSDB), Judson Cabral (PT) e Manoel de Assis (PSTU).
Resultado do debate? Na ótica política a população negra é discriminada/excluído simplesmente pela situação vulnerável da pobreza. A visão ainda é das políticas universalistas.
Inserir a promoção de políticas para igualdade racial nas plataformas da campanha de 2010 é dos principais desafios contemporâneos da população negra em, permanente movimento.
A neutralidade étnica do discurso na política
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Seu nome era Daniel, negro alto, bonito. Morreu aos 19 anos a gangue o matou, dentro de casa, aos pés da mãe. Foi a sentença da droga.
“Paralelamente à heterogeneidade de idade e de sexo, observa-se que há uma dramática concentração de risco na população negra (somatório da população que se autodenomina com cor da pele preta e parda. As taxas de homicídios são mais elevadas entre os negros em todas as faixas etárias, com muito mais intensidade entre 20-29 anos. Embora os dados relativos a esta variável padeçam de elevados sub-registros nas diferentes fontes onde eles são notificados, há indicações de que a distribuição desigual de riquezas e recursos sociais (educação, saúde, saneamento) entre brancos e negros, no Brasil, acaba por provocar desigualdade na distribuição da morte violenta. Assim, são os homens negros e, entre estes, os mais jovens, as vítimas preferenciais da violência letal. Como se sabe, “cor” no Brasil constitui um atributo social, sendo uma praxy de escolaridade, renda e outros indicadores de acesso a bens e consumo. Inegavelmente, grande maioria dos negros em nosso país concentra- se nos estratos inferiores da pirâmide social.
Outro nome era Cícero menino de coração bom, quase todos os dentes voaram ao sabor da miséria, era vendedor ambulante, negociava legumes em um carrinho de mão no Mercado da Produção. Morreu numa troca de tiros. Negro como
Daniel.
De acordo com um estudo divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) no final do ano passado, observa-se que o desemprego é sistematicamente mais elevado entre a população negra, qualquer que seja o nível de escolaridade pesquisado. As taxas de desemprego entre os negros chegam a ser 46% mais altas que a dos brancos.
Maria era mais um nome. Adolescente com corpo de mulher. Engravidou aos 14 anos de um ficante qualquer. Engessada na pobreza e com quase nenhum estudo sofreu o pão que ninguém quis amassar. Morreu com o filho na barriga nos corredores do hospital público de hipertensão arterial aliada a uma desnutrição de esperança.
“Os negros desenvolvem mais hipertensão do que os brancos. São mais vulneráveis à doença. Uma das hipóteses para justificar esse fato está nas condições em que eram trazidos da África para a América. Muitos morreram por causa das infecções, porque vomitavam e tinham diarréia e não conseguiam reter líquido. Desse modo, houve uma espécie de seleção natural. Provavelmente, a maior parte dos negros que suportou a viagem comia sal, retinha líquido, o que elevava a pressão, e transmitiu essas características aos seus descendentes”. (Décio Mion - médico, especialista em pressão arterial)
A filha de Márcia morreu aos cinco anos de anemia falciforme. Morreu pela ausência de medicamentos e formação específica dos profissionais da área médica sobre a doença que mata no Brasil um número considerável de crianças, especialmente as negras.
A anemia falciforme é uma doença incurável que atinge freqüentemente a população negra e os seus descendentes, mas ocorre também em brancos, particularmente os que são provenientes do mediterrâneo (Grécia, Itália, etc.) No Brasil estima-se que 3 de cada 100 pessoas em geral portadoras de traço de Anemia Falciforme sendo que 1 (um) em cada 500 negros brasileiros nasce com a doença.
Marcos, 15 anos, negro cabelo black power já foi abordado inúmeras vezes. Já foi preso e algemado, como “elemento suspeito”. Jovens negros têm uma maior probabilidade de não terem seus direitos constitucionais respeitados, transformando-os em potenciais marginais na ótica policial: a aparência os denuncia.
O racismo é um código-língua
O racismo é um código-língua fundamentado na tolerância civil ética-política que sob a égide do sectarismo onipresente e multiforme incorpora a tolerância passiva, aquela que permite as transgressões nas relações humanas, sócio-raciais, criando respaldo para que a intolerância, dentre ela, o racismo, se instale. Faz-se necessário construir um novo arcabouço para compreendermos politicamente a sociedade contemporânea. A arte de fazer política não pode está desligada da história cotidiana. Urge estabelecer um eloqüente diálogo com a complexa teia da diversidade humana.
As propostas políticas têm que enxergar o povo pela ótica das suas especificidades sócio-étnicas e sair do lugar comum dos “eliminar”, “erradicar”, “combater” a pobreza, como se ao fazê-lo, por tabela, acabaríamos com as desigualdades sócio-raciais do negro.
Segundo Santos, Izabel: “A gente acreditou, por muito tempo, que ao resolver as desigualdades econômicas, de gênero, orientação sexual, às de raça viriam juntas. No interior das nossas próprias organizações, o que a gente fez foi reproduzir essas desigualdades que aconteciam fora. Também dentro das organizações do movimento negro nós tínhamos conflitos de gênero. Acho que esses fatos das lutas sociais, das políticas sociais não terem contribuído muito para discussão racial é exatamente essa idéia de achar que alcançando algumas políticas públicas, diminuindo esse conflito econômico, a gente resolveria a questão racial. Discutir pobreza não é suficiente para acabar com a desigualdade racial”.
O racismo político ocupa um espaço sem tempo
Maceió, capital do estado de Alagoas, tem uma população de 922.458 habitantes (dados de 2006), dos quais segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 504.642 são eleitores; 55,63% são mulheres (280.719) e 44,31 homens (223.617).
Mesmo tendo uma significante estatística de exclusão social entre a população negra/parda maceioense ainda é grande o desconhecimento/descaso dos poderes constituídos em relação a ações concretas que visem combater as desigualdades raciais e de gênero na capital alagoana. O desafio que se impõe, portanto, nessa campanha para eleição dos cargos majoritários e minoritários para a Prefeitura de Maceió, é assegurar que a diversidade-especialmente a étnico-racial, seja respeitada e compreendida histórico e juridicamente, nos projetos políticos. A noção de perspectivas na política é a criação do discurso dialógico. Aquele que visionário enxerga as diferentes e complexas realidades urbanas em um mergulho aprofundado na pluralidade sócio-racial. Não só exaltando-a mais conhecendo os intrincados caminhos criadores dos lastros de rupturas da cidadania. O discurso político tem como dever prioritário estimular o debate no mais amplo cenário de discussões possíveis. É preciso gerar espaços de oportunidades para que possamos afirmar todas as pessoas como cidadãs legítimas em direitos e deveres, assim como está escrito na Carta Magna. Ações afirmativas.
O discurso político é econômico em sua revolução cotidiana
O discurso político é econômico em sua revolução cotidiana, ainda investe no embate de idéias contrárias feito de argumentos e réplicas, esquivando-se de soluções concretas para levar a toda pessoa o artigo quinto da Constituição brasileira.
O combate à desigualdade étnica envolve estratégias de conhecimento, difusão e mobilização. Exige a parceria dos movimentos sociais, do poder público, iniciativa privada e sociedade em geral. Exige a criação de iniciativas que se proponham a fazer do discurso um instrumento dinâmico para a construção de idéias e interesses comuns, mecanismos de prevenção do racismo institucional, ações concretas, como meios de
acesso aos serviços de saúde, educação, emprego e renda para a população menos assistida, dentre ela, o povo negro.
O racismo foge da nossa percepção cotidiana e se abriga nos quilombos urbanos: as favelas. Favelas que traduzem na população negra o seu maior contingente.
Urge inserir nas propostas políticas dos e das postulantes aos cargos para a Prefeitura de Maceió questões específicas que atendam a esse contingente, que 120 anos após a abolição, ainda enfrenta problemas oriundos do imaginário sócio-escravagista.
O combate à intolerância racial envolve estratégias e programas de governo que a partir da releitura do molde econômico da escravatura, crie estratégias possíveis de combate ao racismo institucional, nas áreas de saúde, educação, emprego e renda. Propomos algumas idéias:
1-Criação de um programa permanente de alerta contra Anemia Falciforme (assim como o da Dengue). A anemia pode se detectada no Teste do Pezinho, quando é coletado sangue do calcanhar do recém-nascido. O ideal é que seja realizado entre o terceiro e sétimo dia de vida do bebê e 48 horas a primeira mamada;
2- Implantação da triagem universal (prevenção e controle da hipertensão) nos diversos serviços de saúde, para promover a medição indireta da pressão arterial em todas as crianças a partir de 3 anos de idade, durante as consultas médicas, em pelo menos uma vez ao ano.
3- Implantação do quesito cor/raça/etnia pelo SUS tendo como objetivo criar espaços de investigação sobre as vulnerabilidades específicas de cada segmento populacional.
4- Inclusão de práticas de promoção e educação em saúde da população negra nas rotinas assistenciais e facilitação do acesso em todos os níveis do sistema de saúde/educação.
5- Inserção nos currículos das escolas do município de Maceió o estudo da história afro-brasileira, afro alagoana, consequentemente afro-maceioense. (Lei Federal nº. 10.639/03 e Lei estadual nº. 6.814/07).
A construção da dignidade social nasce da construção de uma cultura do respeito ao outro/outra e suas diversidades.
Segundo Oliveira, Fátima: “O racismo, ao contrário do que muita gente alardeia, não é o mesmo que miséria ou pobreza. Discriminação, preconceito e opressão de classe são DIFERENTES de discriminação, preconceito e opressão de gênero ou de raça/etnia. Cada uma possui dinâmicas de surgimento e de operacionalidade que lhes são peculiares, logo nenhuma se funde, ou se confunde, com a outra, embora possam ser reforçadas quando se abatem sobre a mesma pessoa. Cada uma exige políticas específicas adequadas. Urge que o governo entenda, por sensibilidade ou por dever de ofício, que políticas universalistas são insuficientes para abolir o racismo. E seja determinado e lance as bases de uma revolução cultural que ressoe nos usos e costumes, nos mitos e nos ritos que sustentam o racismo. É improvável um país chegar a um futuro grandioso quando metade do povo está acuado pelo racismo. Superar o racismo é uma questão estratégica para o Brasil, logo não pode ser apenas um assunto dos negros, o que indica que órgãos de governo e políticas públicas para combate ao racismo não podem ser minimalistas e nem reedições de guetos”.
Sabemos que o racismo não será superado por decreto ou com a boa vontade de alguns.
Sabemos dos entraves racistas estruturais e conjunturais, entretanto é preciso avançar rumo à democratização dos direitos do ser humano.
Já é hora da capital alagoana desvendar seus quilombos urbanos e cotidianos e fundamentar que cidadania também tem cor. A cor do compromisso cidadão!