Dia de aula cívica, e sem a mínima metodologia ou proposta pedagógica, a tia da escola pergunta aos pequenos e pequenas qual a cor de pele de cada um/uma?
A menina do alto dos seus nove anos, os cabelos presos em tranças com adereços multicolores, um belo sorriso de dentes com falhas infantis, a pele segundo o IBGE é parda, e a linda menina que ensaia com passos titubeantes a sua autoconstrução identitária, levanta o bracinho e solta de supetão: Eu sou morena-branca!
A mestra, responsável pelo agregamento e formação de valores num misto de indisfarçável incompreensão ri o riso da turma. É a mesma garota que confusa em anos anteriores dissera à tia que se considerava negra. E a professora entabulando um diálogo com a democracia racial dos anos 30 impôs à criança consensos e conclusões sociais, transformando um econômico argumento pessoal em intervenção pedagógica: negra não! Você é moreninha!
Não é fácil assumir-se negro no Brasil!
A professora na ausência do conhecimento das africanidades brasileiras perdeu uma grande oportunidade de trabalhar junto com a turma o processo de construção da diversidade étnica e cultural como um território rico em descobertas.
O morena-branca da garota aparece como metáfora da não existência.
Atropelado pelos conceitos construídos socialmente o negro/negra brasileira se auto-nega, fugindo de sua origem étnica e consolidando esse processo, o estado brasileiro adota fórmulas domésticas de combate à discriminação racial: invoca o mutismo histórico como estratégia para disfarçar o desconforto em atacar o racismo de frente. O racismo é híbrido!
E lembro de depoimento de uma adolescente negra ao preencher um formulário diante do quesito cor: Sei que branca eu não sou, afinal qual é a minha cor?
A escola brasileira consegue estabelecer um parentesco consangüíneo com as concepções da dominação colonial, construídas a partir de uma colagem eurocêntrica, inviabilizando a existência do povo negro.
O agravante no processo histórico/educacional é a naturalização do racismo. Existe algo de errado num mundo/escola, país-50% africano - em que as pessoas buscam uma hegemonia ariana. Qual a Alemanha que vive em nós: a de antes ou depois do muro? A escola brasileira precisa traduzir em seu currículo a observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Criar histórias positivas dos povos ditos diferentes: negros/negras, indígenas fundamentando um olhar cúmplice sobre o sentido cíclico da história da humanidade. Só o conhecimento quebra as fronteiras do preconceito, traduzindo uma escolarização capaz de romper com a consolidação de estereótipos sociais. Não há consciência sem conhecimento, sem reflexão.
Portanto, torna-se imprescindível formular políticas públicas que estimulem a igualdade das condições desiguais. O combate ao racismo se faz através da educação e de distribuição de renda. A escola é o palco de engajamento para reaprendizagem de padrões comportamentais que levem a uma sociedade mais justa e igualitária. Ao omitir-se em trabalhar a diversidade étnico-racial as instituições escolares fecham as portas para muitas culturas, marginalizam outras, empobrecem o alcance do olhar e sobretudo cria estofo para o preconceito.
Se não somos racistas porque foi necessário a criação de uma lei para introduzir no ensino das escolas brasileiras o estudo da matriz cultural africana?