Conheci Camila Carnaúba em um dos encontros afro-alagoanos de educação na época promovido pelo então Núcleo Temático Identidade Negra na Escola, da SEE/AL.
Camila deveria ter entre 17 e 19 anos, linda menina de pele muito clara e de uma perspicácia e humildade contagiantes. Tinha terminado o 2º grau e estava muita disposição para aprender.
Os encontros afros eram momento de encontros e reencontros na busca de construir pontes sociais nas relações raciais. Na abertura dos encontros para estabelecer um clima de convivência humanizadora buscávamos sempre fazer uma apresentação dos mais novos participantes. Camila Carnaúba resumiu assim sua participação: soube do encontro por um jornal local, achei interessante e vim o mais rápido possível: ainda posso me inscrever?
Atualmente, Camila faz a Faculdade de Psicologia, em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas e reproduz as teorias dos encontros afros na prática do trabalho/estágio em uma comunidade quilombola.
Finalzinho de 2009 recebi um e-mail de Camila Carnaúba que me fez ficar orgulhosa da “aluna”:

“Arísia!
A música "Seja mais negra" - de minha autoria e interpretada por Jenilza Pereira, foi selecionada para gravar o cd do Festival de Música da UFAL (FEMUFAL). Dia 12, no Posto 7, serão as apresentações e a gravação do cd.
Arísia, a composição dessa música é produto dos encontros e debates proporcionados por você, além dos livros (aqueles que você me deu). Cada verso da música tem um significado e uma vivência minha. E ela já está fazendo seu papel: emancipando o orgulho negro das pessoas que a ouvem (independente da cor/etnia).
Um grande abraço!
Obrigada pela inspiração que tem sido para mim.
Camila Carnaúba

Obrigada, digo eu, querida Camila Carnaúba pelo presente.
Só agora agradeço com a delicadeza da cumplicidade. Agradeço a curiosidade que a fez desembocar em quase todos os 33 encontros afros, ações de formação que visavam qualificar pessoas para discutir os embates entre o racismo e a sociedade escolar. Mesmo não estando no contexto da educação você foi além. Fez da palavra instrumento. São múltiplos os caminhos possíveis de reinventar as relações raciais, a música é um deles. Você e a sua música como produto final são reflexos reais da importância de encontros permanentes onde criamos possibilidades únicas de juntar gentes e pontos de vistas. Gentes e reflexões sobre o que é ser humano e ir além, atravessando cachoeiras e precipícios.
Obrigada pela partilha do talento, generosidade, força de vontade, seriedade e compromisso.
Mais do que uma letra musical, minha linda Camila, a sua composição decompõe a utópica igualdade da mestiçagem brasileira, afirmando a mulher negra pela diferença de sua identidade étnica. Ser mulher e ser negra ainda é exílio no Brasil. Hiatos e lacunas na pontuação do discurso libertário.
É preciso enfatizar sim, que ser mulher negra é ser bonita buscando romper com os jogos de aparências sociais que dão sustentação as veladas doutrinas racistas de que ser negro é um erro no ponto de vista estético.
“ Mulheres negras continuam sendo mulheres negras muito mais, ainda, pelos atributos físicos reinventando o colonialismo masculino da “mulata brasileira” da ‘escrava-utilidade”, do que como “ legitima cidadão brasileira”.
Obrigada, Camila por ter exposto sua arte em um festival universitário, o palco das gentes-coletivas expandindo não só as possibilidades da criação como também promovendo a oblíqua travessia entre a desconstrução e a recombinação. Você silenciou a monoconversa, sem esquecer que o racismo é portátil.
Hoje, Camila Carnaúba, você me permite ter certezas. Uma delas é que a realização dos 33 encontros afro-alagoanos de educação, em 04 anos fez a história sair da invisibilidade e ganhar o olho do furacão, cravando sílabas, palavras e grafando bem, todos os acentos tônicos: somos racistas,sim!
Você não se limitou a ser uma mera espectadora, transformou palavras em falas, falas de efeito multiplicador com o poder criativo da juventude experimentando a plataforma do discurso musical, construindo pontes entre o hiato do racismo e o grito silencioso das multidões. Recuperando jeitos, detalhes significativos das andanças nos encontros afro- alagoanos de educação para colocá-las em acordes musicais no presente.
Obrigada, Camila Carnaúba por sua música ter ocupado a praça na voz da negra intérprete e inundado de orgulho o coração dessa tua “pretensa mestra”.
No final dessa empreitada sobram companheirismo, respeito e o espírito da partilha.
A roda da vida continua girando. Ainda, bem!