Qual a escola brasileira que se atreve a dizer que a Princesa Isabel foi uma lenda?

17/11/2009 19:29 - Raízes da África
Por Arísia Barros

A história do povo negro é seqüestrada diariamente no cotidiano das salas de aula, nas páginas dos livros didáticos e em cada esquina do conhecimento pedagógico. Recentemente, uma professora afirmou em sua aula de história que o "país" África era pária do mundo, não muito contente com a abrangência do substantivo mundo, ampliou para universo. Meninos e meninas demonstraram uma má disfarçada inquietação. Não que ousassem contestar a absurda avaliação histórica da mestra, simplesmente não sabiam o significado de pária. Reinventam-se fórmulas para a perpetuação da "teoria das raças". Emudece a voz histórica e as nossas concepções eurocêntricas ganham a interpretação de história verdadeira. Vira-se a página! Outra professora transformou em lenda a história de Zumbi dos Palmares. Uma meninazinha levantou o braço e perguntou? Tia, Zumbi não existiu? E a mestra enfática: não foi bem isso que quis dizer; mas disse, afetando de modo decisivo a percepção de crianças, ainda pequenas sobre Zumbi, o Rei de Palmares! É a pedagogia caduca na busca dos semelhantes e da exclusão dos "diferentes", ganhando sobrevida nas salas de aula, criando espaços estéreis feito páginas em branco, onde tudo pode ser imaginado, segundo a preferência do freguês/freguesa. É nossa ignorância histórica limitando as muitas possibilidades para que meninos e meninas, mesmo não tendo uma linguagem comum, estabeleçam espaços de partilha ética e respeito ao outro/outra. É o racismo nosso de todo dia que põe a burca e europeíza nosso olhar. O mito da miscigenação brasileira serve de pano de fundo para mascarar, normatizar e internalizar o racismo cotidiano. Qual a escola brasileira que se atreve a dizer que a Princesa Isabel foi uma lenda? Explosão de contradições! É a busca dos valores do colonizador radicalizando a linguagem da escola, a estruturação das diretrizes do currículo escolar data do império, impondo um processo de acomodação secular- a eurocentricidade que cala a voz/cultura/expressões negras de milhares de meninos , meninas e jovens negras, brancas,indígenas.
Educação é movimento. É a construção de pontes mais transitáveis para a promoção do discurso do respeito às diferenças e a construção singular do sentido de grupo. Educar é contar histórias, escutar atentamente as diferentes construções históricas identitárias, abrindo o leque para que todas as vozes oriundas das muitas culturas sejam ouvidas. Quando a educação fala linguagens diversas, as respostas surgem. A tia Eunice pede à sua turma a leitura do livro "O Sítio do Pica pau Amarelo". Após a leitura, o menino do alto dos seus dez anos de loquacidade e sabedoria, expõe ponto de vista abalizado: Tia, o Sítio do Pica-pau é igual à história do Brasil? E a tia engessada na interpretação usual do livro centenário, inquire: que idéia é essa, menino? E ele já transpondo suas pontes: No Sítio tia, como na História do Brasil, todos os negros são escravos! Xeque mate para quem aos 10 anos já percebe que estereótipos criados e consolidados da subalternidade do povo negro são naturalizados e aceitos nas muitas literaturas brasileiras.
 

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