Na sala de aula Jesus recebeu o apelido de Zumbi

16/11/2009 20:06 - Raízes da África
Por Arísia Barros

Jovem de classe média alta, Lauro tem cerca de 20 anos e recentemente ganhou do pai, empresário bem sucedido uma Hilux. Eufórico com o presente Lauro combina de estrear o carro com a turma de amigos. E por “pura falta de sorte”, na primeiríssima saída de estréia com o carro novo surge a abordagem por uma dupla de agentes da lei que ‘desconfiados’ do “elemento” que dirigia um carro tão caro, parou-o, pediu todos os documentos e não contente “exigiu” o certificado de compra.
Será que o cabelo Black Power do negro Lauro estabeleceu um pré-julgamento dos agentes da Lei?
Jesus é menino esperto, com a vivacidade e inteligência das crianças de 05 anos. Na sala de aula Jesus recebeu o apelido de Zumbi porque para meninos e meninas da turma negro tem a aparência de Zumbi e não de Jesus e ponto final.
Hora de escolhas na escola. Quem fará o papel de anjo na peça teatral? Leandro de sete anos levanta a mãozinha: Tia eu quero! Os outros meninos riem do desejo de Leandro. Ele não pode ser anjo. Ele é negro e pra escola não existe anjos negros.
Especialistas são unânimes em afirmar que é a partir da educação que restabelecermos as regras e normas sociais, conceitos e preconceitos.
Uma educação focada no princípio da igualdade, de modo que enxergamos o respeito às diferenças como a ação ampla do fazer educação, com auto-estima, cidadania e consciência racial
Será que precisamos mesmo da Lei Federal nº 10.639/03 e Lei Estadual nº 6.814/07 para trabalhar a positividade do elemento negro na história das escolas brasileiras e alagoanas?
O Brasil foi o ultimo país do mundo a libertar homens e mulheres escravizadas, não por solidariedade humana, mas por força da economia do país, que era sustentada pela escravidão.
A historiografia contemporânea assinalada nos espaços estruturais do estado é aquela que busca preservar o “esquecimento”. Aquela que vira às costas as ações afirmativas e a reapropriação das identidades étnicas. Enquanto o estado não assumir as políticas públicas de enfrentamento ao racismo, seja a lei de cotas, da implementação da Lei nº 10.639/03, com a especificidade da Lei Estadual nº. 6.814/07 sairemos do período colonial. Dificilmente teremos uma democracia plena .
O país tem, estruturalmente no presente, um saldo histórico com o passado escravocrata. Há mais de trezentos anos o Estado brasileiro está com suas contas no vermelho, um déficit humanitário com um povo que trouxe para a colônia “um conhecimento produtivo que é fundamentalmente africano, nas áreas de mineração, produção de ferro, agricultura produção de açúcar,manufaturas,tecelagem,construção. O mesmo se dá nos campos da política,se considerarmos que os quilombos foram a forma mais sistemática da produção de contestação do Estado escravagista” (Júnior, Cunha Henrique).
Ao estabelecermos conexões da abolição com outras situações, como a imigração, o que é que verificamos? . O Brasil concedeu terras e incentivos fiscais para os imigrantes europeus. O que foi, então, fornecido aos negros libertos? Quanto por exemplo, o Estado gastou com os negros? Nada. E quanto gastou com os imigrantes europeus? Muito.
Recentemente presenciamos no noticiário alagoano a chegada do príncipe Dom João Orleans e Bragança a Alagoas com a missão de lançar junto ao governo do estado a “Rota do Imperador” em homenagem aos 150 anos da passagem de Dom Pedro II, por Alagoas.
O príncipe conseguiu agregar inúmeras autoridades alagoanas ao seu projeto turístico: juízes, políticos, parlamentares, governantes, historiadores.
A idéia é planejar e fortalecer o turismo histórico, de forma sustentável.
O território alagoano possui faz muito o templo da resistência, patrimônio Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e um dos grandes patrimônios da Humanidade chamado Serra da Barriga e poucos, muitos poucos conhecem essa realidade. E plantado na Serra da Barriga está o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, o primeiro complexo arquitetônico de inspiração africana de todas as Américas e o único parque temático cultural afro-brasileiro do país. Um espaço já criado e pronto para desenvolvimento do turismo sustentável. Carece só interesse e visão política para estabelecer uma rota nessa oblíqua travessia de interlocução da matriz européia com a matriz africana.
Marina chegou da creche tristonha e confessou entre soluços para a mãe que as amiguinhas não querem brincar com ela. Afirmaram que ela tem a cor de gente ruim, e Marina não quer mais voltar à creche.
Será que a cor no Brasil não cerceia espaços de oportunidade para os herdeiros e herdeiras das geografias, corpos, feições,trejeitos das áfricas em território brasileiro?
Como é mesmo aquela conversa de que queremos racializar o Brasil ou dividir o país em brancos e negros. O que será que conta nossa história?
 

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