Na manhã de ontem, 4 de novembro de 2025, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Arapiraca (CMDCA) realizou uma plenária na sala do GTInfo, nas imediações da Prefeitura, para deliberar sobre a aplicação de sanções a quatro conselheiros tutelares da Região II. O caso remonta a 8 de novembro de 2023, quando os conselheiros entregaram duas crianças ao pai, após ele comparecer à sede do Conselho e apresentar o que a mãe denunciou como falsa acusação.
Segundo a mãe, Ellen Melo, o Conselho Tutelar “se deixou ser usado como instrumento de violência vicária, colocou meus filhos em perigo ao entregá-los ao genitor violento, que me impediu de ter contato com eles. Tive que esperar por longos meses até que a Justiça me devolvesse a guarda”.
O episódio, ocorrido há quase dois anos, voltou à pauta após o Ministério Público ser acionado pela mãe, que pediu esclarecimentos sobre o arquivamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado para apurar as condutas dos conselheiros. Com a intervenção do MP, uma nova comissão foi constituída, presidida pelo procurador do município, que conduziu o processo com rigor e transparência.
O relatório final, com 291 páginas, comprovou as irregularidades e recomendou a aplicação das penalidades máximas, perda de mandato para duas conselheiras consideradas autoras material e intelectual dos atos e suspensão para os dois demais conselheiros por negligência e inobservância do dever funcional.
Apesar das conclusões claras do relatório, a plenária do CMDCA decidiu, após intensa atuação de advogados de defesa e com o aval da presidência, aplicar apenas advertência a todos os quatro conselheiros. A leitura de 51 páginas do PAD e a robustez das provas não foram suficientes para impedir que a maioria dos conselheiros optasse por uma decisão considerada por muitos como conivente e política.
A decisão provocou reação imediata de instituições e movimentos feministas. O Coletivo Levante Feminista Contra o Feminicídio Alagoas, junto a dezenas de militantes e entidades, divulgou uma nota pública em defesa da mãe, Ellen Melo, e em repúdio à atuação do Conselho Tutelar da Região II.
Na nota, o grupo afirma: “Nós mulheres somos continuamente atravessadas por diversas violências de gênero que são reflexos de uma sociedade onde a mulher existe numa condição de sub-humanidade, uma vez que nossos corpos são alvejados continuamente, sejam nas reiteradas práticas de assédio, na cultura do estupro, na violência obstétrica, nas agressões físicas e nos feminicídios, e os frutos dos nossos corpos também.”
As entidades denunciam a chamada violência maternal, uma forma de agressão em que filhos e filhas são usados como instrumentos de punição contra as mães. “As instituições como conselhos tutelares, tribunais de justiça e escolas, muitas vezes, reiteram esse tipo de violência ao servirem de instrumento para violentar ainda mais estas mães, quando certos genitores se utilizam dessas instituições para punir suas ex-companheiras. O caso da mãe Ellen Melo, infelizmente, não é raro nem isolado.”
A nota também cobra uma postura mais responsável das instituições públicas: “Que os tribunais de justiça apliquem o protocolo dos julgamentos sob a perspectiva de gênero. Que aos conselhos tutelares, hoje, em sua grande maioria aparelhados ideologicamente por vertentes que fortalecem a ideologia patriarcal, sejam ofertadas formações para identificar e frear a violência de gênero. Que possamos ter em breve uma sociedade onde as ordens dos homens não continuem vitimando a nós mulheres, nem muito menos as nossas filhas e filhos.”
O documento é assinado por dezenas de entidades, entre elas a Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas (AMADA), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento de Mulheres Olga Benario, o Movimento Negro Unificado (MNU), o Núcleo de Gênero, Diversidade e Sexualidade (NUGEDIS) do IFAL Campus Arapiraca, além de dirigentes partidárias, religiosas e militantes feministas de todo o estado.
Ellen Melo, alvo da decisão irregular do Conselho Tutelar, afirmou esperar que “a justiça prevaleça e que os direitos das mães e das crianças não sejam submetidos a interesses políticos e ideológicos”.
Com a decisão do CMDCA destoando das recomendações técnicas do PAD e do apelo de dezenas de entidades, o caso deve voltar ao Ministério Público, que pode reavaliar as medidas e exigir a responsabilização efetiva dos conselheiros tutelares envolvidos.










