A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) promoverá, no próximo domingo (9), a diplomação póstuma de três estudantes perseguidos e mortos pela Ditadura Militar (1964–1985). A cerimônia ocorrerá às 10h, na Sala Ipioca do Centro de Convenções de Maceió, durante a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, e contará com a presença de familiares das vítimas, autoridades, membros da comunidade acadêmica e representantes da sociedade civil. O evento é gratuito e aberto ao público, sem necessidade de inscrição.

Inspirada em iniciativas semelhantes de outras universidades brasileiras, a Ufal fará a entrega simbólica dos diplomas a José Dalmo Lins, Gastone Beltrão e Manoel Lisboa — os primeiros estudantes da instituição reconhecidos oficialmente como vítimas da repressão de Estado. A homenagem marca o primeiro ato reparatório da Universidade desde o fim do regime militar.

A decisão foi aprovada em sessão histórica do Conselho Universitário (Consuni) no dia 1º de abril de 2025, após proposta das professoras Iracilda Moura (ICBS) e Emanuelle Rodrigues (ICHCA). Antes da diplomação, o Consuni havia autorizado a reintegração simbólica dos estudantes aos seus cursos, uma vez que foram impedidos de concluir a graduação devido à perseguição política.

José Dalmo cursava Direito, Gastone estudava Economia e Manoel Lisboa era aluno de Medicina. Os três participaram ativamente de movimentos pela redemocratização do país e tiveram suas vidas interrompidas por torturas e execuções cometidas por agentes do regime militar. Agora, mais de 40 anos depois, seus nomes passam a integrar de forma definitiva a história da Ufal como egressos honorários.

Para a professora Emanuelle Rodrigues, presidenta da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Reparação (CMVJR-Ufal) e uma das autoras do pedido, a solenidade tem um caráter simbólico e ético.

“A diplomação é um rito necessário. Representa um gesto de reconhecimento e reparação aos estudantes que lutaram pela democracia, e também um compromisso com a verdade histórica”, afirmou.

O reitor Josealdo Tonholo reforçou a importância do ato como parte do processo de reconstrução da memória institucional:

“É um reconhecimento tardio, mas fundamental. Honramos a memória de jovens que tiveram suas trajetórias interrompidas pela violência do Estado e reafirmamos o papel da Universidade na defesa dos direitos humanos e da democracia.”

Durante o evento, será lançado o site oficial da Comissão da Verdade da Ufal, espaço dedicado à divulgação de informações, acervos e resultados das investigações sobre violações de direitos humanos contra estudantes e servidores durante a Ditadura. A CMVJR foi criada na mesma sessão do Consuni que aprovou a diplomação e atua em diferentes frentes de pesquisa e documentação.

Segundo a presidenta da Comissão, as investigações iniciais podem identificar novos casos semelhantes nos próximos anos. O relator da CMVJR, professor Rodrigo Alcântara, historiador do Campus do Sertão, apresentará o primeiro relatório parcial ao final do segundo ano de trabalhos.

Atualmente, a Comissão conta com dois grupos de trabalho (GTs): o de Comunicação, responsável pela divulgação e documentação das ações, e o de Acervos, composto por professores e estudantes das áreas de História, Ciências Sociais e Serviço Social, além de representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Quilombo dos Palmares.

Depoimentos e memórias familiares

A cerimônia de diplomação também terá forte carga emocional. A professora Iracilda Moura, sobrinha de Manoel Lisboa, relembrou durante a reunião do Consuni as memórias do tio, morto em 1973:

“É preciso manter viva a lembrança daqueles que sacrificaram a própria vida pela democracia e por condições dignas para o povo brasileiro. Esta diplomação é um gesto de resistência e memória, 52 anos após sua morte.”

O jornalista e ilustrador Ênio Lins, parente de José Dalmo, destacou a importância do gesto da Ufal:

“É um ato de justiça e cidadania. A Universidade também foi vítima do autoritarismo, e agora ministra uma verdadeira aula de democracia e autonomia institucional.”

Já o engenheiro Thomáz Beltrão, irmão de Gastone, reforçou o caráter histórico da homenagem:

“A entrega desses diplomas é um orgulho para nossas famílias e uma reparação simbólica a jovens que lutaram e morreram acreditando em um Brasil livre e justo.”

Os homenageados

José Dalmo Guimarães Lins – Estudante de Direito, militante do PCB. Expulso da Universidade sob acusação de subversão e torturado, suicidou-se em 1971, no Rio de Janeiro, em decorrência das sequelas físicas e psicológicas.

Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão – Estudante de Economia e integrante da Juventude Estudantil Católica (JEC). Presa e morta em 1972, em São Paulo, por agentes do DOPS.

Manoel Lisboa de Moura – Estudante de Medicina, militante da UNE e fundador do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Foi preso e torturado até a morte em 1973.