Num artigo um tanto indignado pela proliferação dos livros de autoajuda no mundo contemporâneo, Mário Vargas Llosa, o grande escritor peruano, fez uma bela declaração de amor à literatura. Disse ele que devia muito à leitura dos clássicos, que lhe possibilitaram um maior conhecimento da alma humana. Sem a presença de Dostoiévski, Cervantes, Tolstói, Shakespeare e tantos outros na sua vida, não seria ele um intérprete dos homens, de suas fraquezas e grandezas. Não era uma manifestação de erudição, apenas sua gratidão por tê-los por perto. "Quando tudo parecer sem sentido, volte aos clássicos", recomendo. 

(Sugiro a leitura de "A Civilização do Espetáculo", livro de ensaios do ex-amigo de Gabriel García Márquez.)

E é do prazer da leitura que ele nos fala. Um prazer que vai ficando escasso e quase inacessível, apesar da possibilidade cada vez maior de se ter às mãos um universo sem fim. Porque prazerosa deve ser a leitura, como nos ensinou Rubem Alves, que o tempo transformou num belo pensador. Disse ele que quanto maior for a satisfação da leitura, mais perfeito o aprendizado. 

"Não faço nada sem alegria", afirmou Montaigne em um dos seus ensaios dedicado ao livro, seu amigo e companheiro definitivo nos últimos anos de vida. 

A médica-psiquiatra Nise da Silveira, sem nenhum pudor, e para desespero, imagino, de boa parte dos seus colegas, reconhecia que aprendeu mais sobre gente nos livros de Machado de Assis do que lendo os compêndios de psicologia. De novo, o prazer: eis o segredo.

Minha relação com os livros, se foi um tanto caótica de início, firmou-se como um caminho menos sinuoso para o encontro com alguns dos momentos mais felizes que eu vivi e tenho vivido. Divirto-me demais na companhia desses amigos. Tornei-me, talvez por isso, talvez nem mesmo por isso, menos sociável. Mas o fato é que prefiro hoje a companhia de livros, os mais diversos, do que de algumas convivências coletivas do cotidiano. Aliás, nesse caso, menos será sempre mais para mim. 

Virei um sessentão (quase setentão) chato? É possível, é possível. Mas nos livros me fio para ter um avançar da velhice, que me chegou inexoravelmente, menos tediosa e mais "juvenil". Digo: não a combato, até por inútil, mas busco conviver com ela do melhor jeito que encontro, o que inclui viajar em meio às palavras que me chegam sejam lá de que tempo forem. 

Foi com eles, os livros (que me ajudaram a sair do fundo do poço quando nele me vi), que descobri a maravilhosa experiência de poder mudar de opinião tantas vezes quantas acontecerem - sem que isso me traga qualquer peso na consciência. Os princípios, ao contrário, sedimentam-se a cada leitura - um aprendizado sem fim. 

E, cá para nós, me é ainda impressionante a descoberta da própria ignorância ao abrir uma pequena janela do conhecimento. Razão se dá a Sócrates (Platão) ao afirmar que "só sei que nada sei", este, talvez o maior ensinamento dos livros. (O iconoclasta Mark Twain, autor do divertidíssimo “Cartas da Terra”, também foi preciso sobre isso: “Todos somos ignorantes, só que sobre coisas diferentes”.)

As amizades e convivências me foram fundamentais para a abertura dessas janelas, desde a minha adolescência: Sidney Wanderley na poesia, na literatura, na filosofia; Fred Farias ( Fredão) na história; José Geraldo Marques na ciência - e a eles (e a outros, também) sou eternamente grato. Percorri meus próprios caminhos, mas a influência que recebi destes amigos é base da minha formação como pessoa e como alguém interessado no que acontece ao redor - que o humano nunca me seja indiferente.

Sempre que penso na paixão pelo livro me vem à memória a descrição, lida onde não lembro mais, da reação de Borges (Jorge Luis Borges) ao receber de presente, já cego, uma nova edição da Enciclopédia Britânica. Tateou-a com delicadeza, como se ali estivesse o corpo da mulher amada, um tesouro a ser eternamente descoberto.

Numa de suas cinco palestras na Universidade de Belgrano - em 1978 -, publicadas em "Borges Oral", o escritor argentino iniciou sua mais perfeita declaração de amor ao companheiro de sempre:

- Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista. O telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é a extensão da memória e da imaginação.

Talvez não precisasse dizer mais nada, mas o fez:

- Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade concedida aos homens.

Que bom que eu pude descobrir isso a tempo. O suficiente, pelo menos, para parafrasear Vinícius de Moraes, cheio de uma agradável convicção: o livro é o cachorro encadernado.