Construir império e fortuna com o dinheiro alheio não é novidade – que o digam bancos e banqueiros. Não por acaso, Bertolt Brecht defendeu: “O que é roubar um banco comparado a fundar um?”. Que responda o dono do Banco Master, que ocupa agora uma cela de cadeia, mas por pouco tempo, todos nós sabemos.
Erguer um império sem botar um centavo do próprio bolso é também uma tradição das empresas e empresários de comunicação, no país. É bem verdade que tem gente no meio que conseguiu esse feito sem causar tantos danos políticos ao país quanto a dupla Chateaubriand – Roberto Marinho (“Chatô, o rei do Brasil”, escrita por Fernando Morais, é uma das melhores e mais reveladoras biografias que já li. Marinho ainda espera por uma biografia séria.)
E Adolpho Bloch, o que contar sobre o personagem?
Vejamos um pouco dessa história.
Em 5 de junho de 1983, entrou no ar a TV Manchete. Com o slogan “Televisão de primeira classe”, foi a tentativa do Grupo Bloch de invadir o território dominado pela poderosa Vênus Platinada. De fato, foi algo novo, com uma grade de programação de bom gosto, onde se destacavam “Conexão Internacional” e o excelente “Bar Academia”, inviáveis na TV aberta dos tempos de agora. Mas foi, também, mais uma aventura do clã de judeus russos, que aportou no Brasil no início da década de 1920, chefiado pelo patriarca Joseph Bloch.
No agradável “Os irmãos Karamabloch”, o jornalista e escritor Arnaldo Bloch narra, mais do que uma saga familiar, a “ascensão e queda de um império” de comunicação. E é impiedoso com os seus ascendentes. Como a maioria dos capitães da indústria de comunicação no Brasil, o “tio Adolpho” era um gênio das finanças... caóticas. Mas terminou por se enredar na teia de credores que colecionou. Acostumado a lidar com papagaios, promissórias e assemelhados, o “despótico” e mais importante membro do clã, nos conta Arnaldo Bloch em passagens risíveis, entrou na seara televisa sem lenço e, muitas vezes, sem documento. Quebrou, definitivamente, nos agora distantes anos de 1990.
Não era para menos. Já em 1961, ao receber o então vice- presidente João Goulart para um almoço, na sede da revista Manchete, Adolpho Bloch mostrou suas armas. Apresentou a maquete do novo prédio da empresa, projetado por Oscar Niemeyer. Diante da grandiosidade da obra, Jango fez o que seria a pergunta mais sensata:
- Adolpho, você está preparado financeiramente para esse projeto?
- Meu problema é arranjar dinheiro para comprar as estampilhas para as promissórias.
Assim construíra o seu império de papel: em maquinações só dominadas pelos que negociam com dinheiro virtual. E conseguiu muito com suas mágicas, sem abrir mão das “fraquezas” dos deveras crentes. Até, pasmem!, um banqueiro, Magalhães Pinto – ele mesmo, um dos braços civis do golpe militar de 1964 –, caiu na lábia do surpreendente imigrante.
Numa visita a Roma, quase dez anos antes, Adolpho encontrou-se com o poeta, escritor e jornalista Paulo Mendes Campos e convidou-o para assistir a uma das aparições de Pio XII, no Vaticano. Ante a resistência do seu funcionário, que argumentava com a condição de ambos, “judeu e poeta”, foi incisivo:
- Judeu, poeta, todo mundo tem que ver o papa.
Foram. A vívida atenção de Adolpho Bloch, entretanto, deixou Paulo Mendes Campos intrigado por vários dias. Qual seria o significado daquela manifestação de fé, com o timoneiro do Grupo Manchete a exibir um maço de papéis em direção a Sua Santidade?
A resposta viria dias depois, já no Brasil. Adolpho Bloch fez uma ligação para Magalhães Pinto – o poeta ao seu lado:
- Magalhães, espera um minutinho que o Paulo Mendes Campos vai falar.
E, em seguida:
- Diz pra ele, Paulinho, quem abençoou as duplicatas.
- Foi o papa (!!!).
O próprio banqueiro endossou, pessoalmente, a papelada.
O triste fim do dono da Manchete se apresentou inexorável no governo do presidente Collor, cujos olhos – escreve Arnaldo Bloch – assustavam o “tio Adolpho”. Seria injusto atribuir ao ex-senador por Alagoas a derrocada do império familiar, mas o escritor registrou o que teria sido o último encontro entre o empresário e o então chefe da Nação:
- Presidente, eu estou no fim.
- O senhor está no fim e eu estou no começo. Com licença.
Ao que parece, Collor ainda não havia se dado conta de que há um fim para tudo e para todos.
Ignorá-lo dói bem mais.








