Com as fortes chuvas que atingiram Alagoas nos últimos dias — especialmente em Maceió — diversos prédios residenciais e comerciais sofreram com alagamentos em suas garagens, gerando transtornos e prejuízos para moradores e administradores. Diante desse cenário, uma pergunta recorrente volta à tona: quem deve arcar com os danos causados por essas inundações? O condomínio, o proprietário da unidade ou o poder público?

Para esclarecer as implicações jurídicas envolvidas nesses casos, o portal CadaMinuto conversou com o advogado Francisco Vasco, presidente da Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas. Especialista no tema, Vasco explica o que diz a legislação, como a jurisprudência tem se posicionado e quais são os deveres do síndico e dos condôminos diante de eventos como alagamentos, negligência na manutenção e contratação de seguros. Confira a entrevista:

 

Quem deve arcar com os prejuízos causados por alagamentos em garagens de condomínios: o condomínio, o proprietário da unidade ou o poder público?

A responsabilidade por prejuízos decorrentes de alagamentos em garagens de condomínios depende da origem do evento e da existência de culpa ou omissão.

Se o alagamento for causado por falhas estruturais do próprio edifício ou pela ausência de manutenção adequada de bombas, calhas ou ralos, a responsabilidade tende a recair sobre o condomínio, com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que tratam da responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Caso o evento decorra exclusivamente de fatores externos, como chuvas excepcionais ou falha da rede pública de drenagem, pode-se discutir a responsabilização do poder público.

Todavia, é importante ressaltar que não é atribuição do condomínio garantir, de forma absoluta, a proteção dos veículos estacionados nas garagens. Assim, em situações de força maior, como enchentes imprevisíveis e inevitáveis, pode-se afastar a responsabilidade do condomínio. O ponto central será sempre a existência de culpa por omissão ou falha no dever de manutenção.

Portanto, a análise deve ser feita caso a caso, avaliando-se se o condomínio adotou medidas preventivas suficientes e se o evento poderia ter sido evitado.

O que a legislação e a jurisprudência dizem sobre a responsabilidade do condomínio nesses casos?

A legislação civil brasileira não trata de forma específica sobre alagamentos em condomínios, mas é possível aplicar a estes casos os dispositivos gerais sobre responsabilidade civil.

O artigo 1.348, V, do Código Civil, impõe ao síndico o dever de diligenciar na conservação e na guarda das partes comuns, o que inclui áreas de garagem de uso comum. Assim, se ficar demonstrado que deixou de realizar a manutenção necessária ou de tomar medidas adequadas para evitar danos previsíveis, o condomínio poderá, sim, ser responsabilizado.

A jurisprudência tem entendido que, em casos de alagamentos causados por ausência de manutenção preventiva ou falha em equipamentos como bombas de drenagem, o condomínio pode ser responsabilizado pelos prejuízos causados aos condôminos ou terceiros.

Contudo, se o condomínio comprova que adotou todas as providências necessárias e que o evento decorreu de caso fortuito externo, como chuvas torrenciais e imprevisíveis, certamente essa responsabilidade será afastada.

 

Em que situações o condomínio pode ser responsabilizado por danos a veículos ou bens armazenados nas garagens?

O condomínio poderá ser responsabilizado quando os danos decorrerem de sua omissão na manutenção ou quando houver falha nos equipamentos que integram a estrutura do edifício. A jurisprudência reconhece a responsabilidade do condomínio quando, por exemplo, as bombas de sucção estavam inoperantes, os ralos estavam entupidos por falta de limpeza, ou não havia plano de prevenção adequado.

Também pode ocorrer responsabilização em casos de vícios construtivos não corrigidos, especialmente quando o condomínio já tinha conhecimento prévio de riscos de alagamento e não adotou medidas para corrigi-los. Nesses casos, configura-se a culpa por omissão, atraindo o dever de indenizar com base no artigo 186 do Código Civil.

Entretanto, danos causados por mau uso da garagem pelo próprio morador, como armazenamento indevido de bens fora das normas internas, ou por causas externas não imputáveis ao condomínio, como rompimento da rede pública de drenagem pluvial, em regra, afastam a responsabilidade condominial. Sempre será necessário analisar a causa do dano e verificar a conduta do condomínio na prevenção.

 

A negligência na manutenção de bombas hidráulicas e ralos pode configurar culpa do condomínio?

Sim. A negligência na manutenção de bombas, ralos, calhas e demais sistemas de drenagem configura culpa do condomínio e pode ensejar responsabilização civil. É dever do síndico zelar pela conservação das áreas comuns e realizar manutenções preventivas e corretivas, conforme disposto no artigo 1.348, inciso V, do Código Civil. A omissão nesse dever, sobretudo se previamente alertada por moradores ou por relatórios técnicos, caracteriza falha na prestação do serviço.

A ausência de plano de manutenção, inspeção periódica e atuação preventiva por parte da administração condominial configura violação ao dever de cuidado, o que permite a responsabilização objetiva ou subjetiva, conforme o caso.

 

O seguro condominial é obrigatório e, se sim, ele costuma cobrir danos por enchentes nas garagens?

Sim. O seguro condominial é obrigatório, nos termos do artigo 1.346 do Código Civil, que impõe a contratação de seguro para toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial.

No entanto, a cobertura mínima legal não inclui, necessariamente, enchentes, alagamentos ou danos a veículos de condôminos — essas são coberturas adicionais e dependem de contratação específica.

Em regra, o seguro padrão cobre danos estruturais ao prédio, mas para que haja cobertura em casos de enchentes ou alagamentos de garagens, é essencial que o síndico contrate cláusulas adicionais específicas, a exemplo de enchentes, e para cobertura de bens de terceiros (veículos, por exemplo).

Portanto, é imprescindível que o síndico analise minuciosamente os riscos do empreendimento e contrate coberturas que reflitam as vulnerabilidades do edifício, especialmente se localizado em áreas de alagamento recorrente.

 

Quais são os cuidados que os moradores e o síndico devem ter ao contratar seguros condominiais?

Ao contratar o seguro condominial, é fundamental observar não apenas a obrigatoriedade legal, mas também a realidade específica do edifício. O síndico deve realizar uma análise de risco da edificação, levando em conta sua localização, histórico de sinistros, estrutura da garagem e demais particularidades. A partir disso, deve buscar apólices que ofereçam coberturas compatíveis com esses riscos.

É recomendável incluir coberturas para enchentes, alagamentos, queda de raios, danos elétricos, vendavais, além de responsabilidade civil do condomínio e do síndico. Se houver histórico de alagamentos em garagens, a contratação de cobertura específica para esses eventos é essencial. Também deve haver cuidado na definição dos valores segurados, para evitar subvalorização da edificação e negativa de cobertura.

Por fim, os moradores devem ser informados sobre os limites da apólice e, se necessário, contratar seguros individuais para seus veículos ou bens armazenados na garagem, uma vez que o seguro condominial, que é aquele contratado pelo proprietário, não é o mesmo do seguro predial, específico para a edificação. 

 

O síndico pode ser responsabilizado pessoalmente caso fique comprovada omissão ou negligência na prevenção de alagamentos?

Sim. O síndico pode ser responsabilizado pessoalmente quando age com culpa (negligência, principalmente) na gestão condominial, especialmente se deixar de tomar providências necessárias para prevenir riscos previsíveis, como alagamentos.

Essa responsabilização decorre do artigo 1.348, V, do Código Civil, e pode ser acionada por condôminos prejudicados ou até pelo próprio condomínio.

Contudo, a responsabilização do síndico depende da demonstração de sua omissão injustificada ou gestão temerária. Se ele adotou medidas preventivas, contratou manutenções e atuou com diligência, ainda que o dano tenha ocorrido, sua responsabilidade pode ser afastada.

 

Como o síndico deve proceder após um episódio de alagamento para proteger o condomínio juridicamente?

A primeira providência é acionar imediatamente a seguradora e seguir os protocolos previstos na apólice para formalizar o aviso de sinistro.

Paralelamente, é necessário realizar perícia técnica para identificar as causas do alagamento. Se ficar demonstrado que houve falha de manutenção, o síndico deve tomar medidas corretivas urgentes e registrar tudo documentalmente. Se o evento for decorrente de fatores externos, é recomendável que se oficie a prefeitura, órgãos ambientais ou empresas de saneamento, buscando delimitar as responsabilidades.

Por fim, é importante que o síndico busque orientação jurídica especializada para analisar eventual risco de responsabilização do condomínio e adote providências formais em assembleia para comunicar os fatos, aprovar medidas corretivas e avaliar ações judiciais ou extrajudiciais cabíveis contra terceiros. 

 

Há decisões judiciais reconhecendo a responsabilidade do condomínio em casos similares?

Sim. Há decisões judiciais reconhecendo a responsabilidade do condomínio por danos decorrentes de alagamentos em garagens, principalmente quando se verifica omissão na manutenção de sistemas de drenagem ou ausência de providências diante de riscos previamente conhecidos Em geral, os tribunais têm aplicado os princípios da responsabilidade civil por omissão (art. 186 do CC) e do dever de guarda das áreas comuns (art. 1.348, V, do CC).

Entretanto, há decisões em sentido contrário quando o condomínio comprova ter adotado todas as medidas preventivas e que o alagamento decorreu de força maior, como chuvas excepcionais sem precedente. O que prevalece é a análise da conduta do condomínio à luz dos princípios da boa administração e da previsibilidade do evento.