- Meu pai dizia que amizade ruim é melhor não ter.
A frase acima, um chiste matuto, me foi dita por um personagem da magistratura alagoana de quem eu gosto, entre outras qualidades, pelo humor que ele expõe sempre nas nossas conversas.
Cá para nós: os que acompanham este espaço domingueiro sabem que qualquer papo sobre amizade me interessa, e muito. Já disse e repito, apesar do cabotinismo explícito, que a gente só vale os amigos que tem. Por óbvio, quando o astral está mais para baixo, lembro-me daqueles que tenho como amigos e subo alguns degraus na escala humana.
Tudo bem que você considere que eu estou pegando carona nas qualidades alheias, não vou discordar, muito menos negar a imensa vantagem de ter amigos muito melhores do que eu – e é meu caso, mesmo. Se o contrário fosse, é possível até que eu ficasse olhando para baixo, mas não é isso que acontece.
Mas reparando bem na sentença lá de cima, não me parece muito difícil, a esta altura da vida, identificar, por antecipação, a “amizade ruim” apontada pelo conselho paterno. Um exemplo bem primário: se alguém com quem você convive e está estreitando laços apronta feio com outra pessoa – não releve, se testemunha -, fatalmente a mesma falha de caráter terá sua chance de se manifestar com você.
Claro que ninguém sai fazendo cálculo sobre a probabilidade de se fazer uma amizade verdadeira, coisa que os políticos profissionais nunca terão o prazer de desfrutar. Em regra, estes confirmam aquela máxima de todos os povos em todos os tempos: muitos amigos, amigo nenhum (hoje isso vale também para informação). E aí, gente, fica valendo sempre a sabedoria de Riobaldo, o Tatarana:
- Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
(“Porque era ele, porque era eu”, Montaigne, minimalista, sobre sua amizade com Étienne de La Boétie.)
O peso da idade sobre os ombros se deve também a algumas precauções que já carrego sobre um tema que me sabe tão caro. Por exemplo: é recomendável, sempre que possível, levar um amigo – amiga – do convívio próximo, curtido e temperado, para uma mesa de bar, onde se divaga devagar, assim imagino. Entretanto, eis um bom alerta, o movimento contrário pode não ser o melhor jeito de amalgamar afetos. Sabe-se lá o que é ter de conviver com os defeitos de cada um – os seus e os do outro -, nas inevitáveis misérias do cotidiano?
Exagerado! (você haverá de dizer).
Então vejam o que escreveu um personagem icônico, que há de ter passado a maior parte da sua vida em uma mesa de bar, boêmio inveterado que era, sempre à procura de alguém para chamar de amigo quando a aguardada ressaca lhe chegasse, cruel e sem convite. Seu nome: Nelson Cavaquinho, na verdade, um violonista absolutamente peculiar:
“Amigos não são todos/ Alguns só sabem lhe chamar para beber/ Mas se lhe encontram com fome/ Fogem de você”.
Tudo bem que o seu caso – e o meu – não é de fome, imagino. Mas para que servem os poetas se não para construir suas metáforas de modo a pôr uma luz, mesmo que com um pequeno choque, sobre aquilo que, de tão evidente, não conseguimos enxergar? A acuidade visual desses personagens humanos, tantas vezes, nos faz sentir cegos como uma toupeira-nariz-de-estrela.
Numa comparação possível, alguém bem que poderia dizer, não sem razão, que amizade é ouro; a falsa amizade é pirita, e ninguém há de ter dúvida de que existe mais pirita do que ouro brilhando aos nossos olhos.
O problema é que nem todo mundo consegue distingui-los.

Ricardo Mota