Na semana que passou, liguei para um amigo querido, que sempre marca presença neste blog, para lhe comunicar que o seu comentário a uma postagem sobre o Judiciário havia sido descartado. Expliquei-lhe que achava que ele havia passado do ponto, segundo o critério que eu tento seguir no espaço que ocupo aqui no Cadaminuto.
Evito, tanto quanto posso, que a linguagem furiosa e sem freios das redes sociais se instale entre os comentadores, até porque também não me dou o direito de xingar, usar palavrões, ou acusar quem quer que seja de algo que eu não possa provar. Aprendi, e lá se vão quase 44 anos, que o “papel” merece respeito; e, para mim, a tela continua sendo papel.
Antes de seguir, concluo: o sujeito do caso, alvo dos meus afetos, racional que é, concordou com a “censura” e emendou: “De fato, todo mundo fica valente em frente ao computador”. Acredito que razão tem mesmo o tal do Freud, para quem “o indivíduo na massa adquire um sentimento de poder invencível, que lhe permite entregar-se a instintos”.
É isso mesmo: acho que as “novas” massas, ou multidões, se estabelecem na internet, mais propriamente nas redes sociais. E aí, eis o busílis, servem para elas as mesmas regras – ou a falta delas – vigentes para as multidões físicas, como até hoje vemos nos jogos de futebol.
Lembro-me dos tempos em que frequentava os estádios, onde o meu vocabulário não era muito diferente do que vemos e ouvimos nos dias de hoje. Palavrões e ataques às mães dos juízes e jogadores adversários foram proferidos em meus gritos tribais, que, por óbvio, eu fazia questão que não se perdessem em meio ao alarido geral. Quebra da invisibilidade social, catarse, ou até a busca pelo pertencimento – ali, naquele instante –, tudo pode explicar esse comportamento, que me parecia tão natural, então. Imagino que não é mais.
Não creio, e é a minha mais sincera opinião, que os torcedores argentinos sejam mais racistas do que nós, os brasileiros. Se por aqui, paulatinamente, vamos mudando o nosso comportamento ou mudando o foco dos nossos ataques, deve-se, sobretudo, à melhora da qualidade das leis que tratam do tema e da imposição social, ainda que parcial, para que sejam aplicadas.
Racismo, bem sabemos, é algo muito entranhado na alma brasileira. Não por um acaso histórico, vivemos no país que foi o último das Américas a extirpar a escravidão dos negros africanos ou afrodescendentes. Não sei por que na Argentina o racismo não foi ainda penalizado pelas leis. Há de sê-lo, em breve, espero.
Mas voltando ao tema inicial, os estudiosos da comunicação nas redes já estão convencidos, e de há muito, que elas estimulam as nossas emoções mais primitivas, movidas inclusive pelos hormônios, algo que o homem do charuto já havia apontado como principais características do indivíduo que se encontra em meio à massa, que podemos também enxergar nos ambientes virtuais:
- Desaparecimento da personalidade consciente, orientação dos pensamentos e dos sentimentos na mesma direção por meio da sugestão e do contágio, tendência à execução imediata das ideias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo; tornou-se um autônomo desprovido de vontade.
Vivemos, ainda que em fase um pouco melhor, uma quadra em que os ressentimentos, frustrações, recalques e ódios, antes escondidos no território mais íntimo, se encontraram nas redes e puderam se manifestar sem medo e vergonha. Na verdade, e acho que temos de entender assim, o pacote nada saudável já habitava essas almas tristes e infelizes, agora “libertas”.
Aposto que vamos avançar no abrandamento do convívio social e até familiar em tantos casos. Mas a questão central é a grande dificuldade do “bicho homem” superar a si próprio, sem que tema as consequências ou se sinta abraçado por iguais.
Afinal, a liberdade de expressão não há de ser confundida com uma manifestação belicosa/furiosa, um crime sem castigo, replicada da era das cavernas em que habitamos, lá atrás, quando nem sabíamos o nome que teríamos.
Fato concreto é que mesmo o sujeito mais solitário - e trato apenas dos que são “normais” - não age sozinho nas redes, onde as multidões agora deram de se formar.
E aí, pior para todos nós.