Sim, como todo mundo, eu carrego comigo boas e más lembranças, que são responsáveis por aquilo no que eu me tornei. Mas saudade mesmo, para valer, me é um bem/mal raro, talvez porque esta danada dói demais e deve ser evitada, tanto quanto possível. Mais do que isso: quando chega, precisa encontrar a porta fechada para não espalhar suas dores, que na verdade, pertencem aos donos, a nós, ainda que as reneguemos. Mas o fato é que quando ela instala, o faz sem aviso e sem muita chance de ser barrada.

Na semana que passou, deparei-me com duas situações que me fizeram indagar sobre a minha relação com o passado: se de saudade ou se de lembranças, apenas, deixando que a memória trabalhe sua seletividade - o que, cá para nós, ela sempre o faz para nos proteger de nós mesmos.

Na primeira delas, um cineasta que veio a Alagoas fazer um documentário sobre Collor – o segundo em menos de seis meses, de que tenho conhecimento -, indagou-me se eu havia guardado alguma matéria que tivesse feito na década de 1980 ou 1990. Não demorei a responder, até porque, de há muito, já “descobri” que eu sou um jornalista sem memórias profissionais - e a razão para esse “silêncio” eu nunca encontrei. Sendo mais franco: nunca busquei (talvez porque considero o feito, de fato, irrelevante).

Depois, numa agradável conversa com meu amigo, poeta e compadre Sidney Wanderley, rememoramos passagens das nossas vidas lá pelos idos dos tempos em que estudávamos juntos. Se ele demonstrou, expressamente, o desejo de voltar lá para a segunda metade da década de 1970, este não era o meu caso, lhe disse. Recordo, sim, com alguma alegria de verões e lugares onde vivi, me alegrei, sofri, amei. Nada, porém, que me puxe para trás, ainda que eu não seja – e não sou mesmo – um vanguardista juramentado. As pessoas, algumas pessoas, eis uma verdade, me tocaram mais, e delas lembro com prazer. Paisagens, cidades, ruas e aventuras, nada disso me faz rejeitar os dias de agora, ainda que eles tenham entrado no modo “calmo”, rumando, assim espero, para a tão almejada – para mim – “ataraxia”, descoberta definitiva dos gregos (a turma do Epicuro).

Os tempos de intensidade anímica e emocional foram bons o suficiente, assim me parecem, para que eu não sinta que algo ficou faltando e me cobrando para desfazer-se da sua incompletude. O que não tem nada a ver com felicidade plena e fugitiva. Se e quando olho para trás, até imagino que faria diferente, aqui e ali, mas só que já não seria eu naquele instante e lugar. Perdoem-me a (quase) soberba: não estou disposto a renunciar à minha presença em memórias que eu construí, mesmo que eu desconfie da  confiabilidade do produto que elas me entregam.

Mas eis que entro no território da saudade - eita dor covarde! -, até porque ela foi convidada a se chegar e entregar o que é tão nosso, mas que só ela guarda, solidária e incômoda, no seu baú de coisas e gentes que não pode descartar. Não as relatarei aqui, até por desnecessário, o que ela, a saudade - coisa séria e que não comporta má poesia - me entrega de quando em vez, ainda que eu nem lhe peça. 

Para vocês, leitores e leitoras que perdem tempo com essas linhas soltas, deixo apenas os versos de Pinto do Monteiro, poeta grande de lugar pequeno, que soube capturar a musa dos meus dias de pouco sol:

Esta palavra saudade
conheço desde criança
Saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
quando morre a esperança