Garanto-lhes que não sei qual é a fragrância que ele usa, cotidianamente, se é que isso tem alguma importância. Mas inegável é que esse caminhante, que imagino seguir em direção ao seu trabalho e com quem cruzo diariamente, tornou-se um dos pequenos terrores das minhas corridas matinais.
O problema, meu e não do personagem, é que ele me parece muito perfumado, e aí, a cada encontro não combinado, preciso buscar um ar mais ameno para respirar. E isso ocorre não apenas com o homem que caminha firme, vestido dignamente e que não há de saber da minha sensibilidade, excessiva talvez, a olores mais agudos - e para mim não há bons ou maus, nesses casos.
No mesmo espaço e no horário que se repete, de segunda a sexta, enfrento também a estudante adolescente, de beleza suave, que deixa o seu rastro perfumado sem saber que passou por um velho jornalista que já travou a respiração, por prevenção, logo que a enxergou de longe (o que nem sempre traz o resultado esperado). E outros e outras e demais...
Às vezes sou surpreendido por um novato ou novata naquela longa calçada em que piso nas minhas manhãs, mas como sou bom fisionomista - algum vantagem eu haveria de ter -, as pessoas a quem já cataloguei pelo cheiro me remetem a cuidados antecipatórios.
Desde muito jovem que eu carrego essa “culpa” de não ter boa relação com perfumes artificiais. Meu desodorante, por exemplo, não tem cheiro; o sabonete que eu uso é praticamente inodoro; e chego a estranhar - com muxoxos, viu? – se algum amaciante de roupa usado na minha casa traz um aroma que invada com mais força o meu nariz de afrodescendente.
Pode não ser um grande problema existencial, e não é mesmo, mas não nego algum remorso pela incapacidade de lidar, naturalmente, com a diversidade humana no uso de essências que se espalham pelo ar (argh!).
Já sofri com isso, ainda que dentro do tolerável, e até lamento o fato de que minha mulher – desde a nossa época de namoro, há 44 anos -, se sinta impedida de se banhar com fragrâncias inventadas pelo homem que talvez lhe dessem algum prazer. Tudo para evitar espirros muito próximos e incontroláveis: seria esta uma reação de velhice precoce, imagino.
Vivi momentos de muita tensão nos anos em que passei – quase 40 – entrevistando convidados e convidadas dentro de um estúdio de TV ou de rádio. Minha mais inesquecível experiência, vos digo, foi com um ex-secretário municipal de Maceió e depois estadual, que abusava do aroma de origem francesa (gente: às 6h30 da manhã!). Era um suplício sempre que estávamos próximos, o que eu busquei enfrentar com o mais absoluto e doloroso profissionalismo.
Quando nos despedíamos, cortesmente, eu me dirigia ao lavabo da empresa em que trabalhava e esfregava mãos, braços e todas as partes do corpo em que me parecia que o cheiro adocicado estava entranhado. Ainda passava algumas horas do meu dia tentando expelir das narinas as lembranças odoríferas do gentil servidor público.
Eis que uma pequena alegria, já de agora, veio me absolver do meu (quase) crime contra boa parte da humanidade. Quem me trouxe a boa nova foi o colega Carlos Melo, editor do Cada Minuto, que retornou da Finlândia, recentemente.
Ele narrou, sem ainda conhecer minha idiossincrasia nasal, que no frio país do Norte europeu, um cartaz comum no transporte coletivo aconselha os usuários a não usarem fragrâncias fortes nas viagens, em proveito da coletividade e do bem-estar geral.
Confesso que me senti mais leve.
Eis algo que me parece bastante civilizado: não há uma proibição expressa por lá em relação a cheiros e perfumes, mas o olhar arrevesado de outro passageiro já basta como punição a quem não cumpre a sugestão. É bem verdade que, observa o Carlinhos, os finlandeses, na média, trazem na alma a baixa temperatura característica do país nórdico. Ele prefere, disse, os abraços caóticos e efusivos dos nacionais.
Pode parecer contradição, mas como gosto muito do cheiro de temperos, flores, frutos e tantas coisas que a terra alimenta e faz brotar, desconfio que os finlandeses seguiram um caminho a que prezo bastante: aprender com a Natureza o que há de ser a essência da vida na melhor e mais saudável inspiração.
Puxa como é simples!

Ricardo Mota