Depois de uma ausência de quatro anos, Petrônio, o Sísifo do Murilópolis, retornou ao seu ofício no espaço em que durante anos esbanjou sorrisos e um raro bem-querer com a vida.  

Ao reencontrá-lo, recentemente, no mesmo lugar onde faço as minhas caminhadas matinais, ganhei um abraço prenhe de sincero carinho, que me emocionou, até. Andou “por aí”, me disse, mas estava feliz de ter retomado a sua lida na empresa responsável pela limpeza urbana.

Por que Sísifo?

Assim como a figura mitológica grega, Petrônio repete o seu trabalho diariamente, ainda que pareça “inútil” para os persistentes espalhadores de lixo: limpa as ruas e calçadas da sujeira que nós, a população, vamos deixando pelo caminho. Chega ao topo da montanha, ao fim da jornada, carregando a sua pedra, que rola de volta à planície, onde irá buscá-la no dia seguinte, mais uma vez e outra e outra...

Na semana que passou, na manhã do dia imediatamente após a primeira partida do Brasil na Copa, ele já me aguardava, com seu imenso e genuíno sorriso. Enquanto recolhia folhas mortas e os restos que deixamos pelo chão, foi taxativo: “O Brasil melhorou muito depois da saída do Neymar”.

Dei-lhe alguma razão, até porque ele estava absolutamente convencido da sua sentença, e entendi que o nosso - ainda – maior craque já não deita e dorme nos sonhos dos brasileiros que gostam de futebol (e me incluo entre estes). Torcedores, jornalistas esportivos, gente indiferente ao esporte, todos aprenderam a "odiar" o Neymar (o verbo usado aqui é uma homenagem às redes sociais, onde se "odeia" até cenoura, por exemplo). 

E, assim me parece também, as plateias onde ele espalha o que restou da sua magia não mais exala encantamento com seus dribles, fintas e chutes mortais. Observem-no em campo: ele é antipatizado pelos atletas adversários, e não pela capacidade de humilhá-los com a bola nos pés, exibindo uma arte na qual surgiu - e gorou - como um dos gênios definitivos, daqueles para quem a história reserva lendas e inverosimilhanças. É a soberba, assim me parece, o motivo de tanto desamor. 

Neymar virou vítima dele próprio e desses tempos de celebridades virtuais e instantâneas. Creio que ele não estava preparado para exercer o papel de herói nacional – e não só – num mundo tão sedento de seres superdotados, os deuses inatingíveis de todas as seitas humanas. Mas pergunto-lhes: quem seria capaz de fazê-lo, considerando todas as suas circunstâncias e formação?

Até o final da Copa do Mundo, imagino, ele ainda terá a chance de reconquistar os brasileiros e os torcedores de outras nações, mas já sem o protagonismo que ansiávamos em outros tempos – e não faz muito tempo. Mesmo porque vivemos hoje entre sentimentos absolutamente extremos, de amor e ódio, com o último predominando vivamente sobre o primeiro.

E a multidão, lembremos Shakespeare, poderá mudar de um lado para o outro, instantaneamente, como na sequência fantástica dos discursos de Brutus e Marco Antônio, num dos momentos mais notáveis da melhor literatura, após o assassinato de César. E ninguém haverá de condená-la por essa labilidade emocional, sendo esta uma expressão sincera da alma dos homens.

Já há algumas décadas entendi que o brasileiro adorava falar mal do Pelé, que, por sua vez, falava muito sobre quase tudo. Culpa, principalmente, dos coleguinhas jornalistas, que tudo perguntavam ao Deus do Futebol, para conseguir uma manchete - escandalosa, como sói acontecer. E conseguiam, quase sempre, com as previsíveis consequências para o próprio Pelé, que no dizer do Romário, “calado é um poeta”.

É abjeta injustiça para com o brasileiro que se tornou uma das maiores marcas humanas, admirado por gente de todo o planeta – e até hoje. Nós, por aqui, optamos preferencialmente por desancar suas declarações, a que consideramos tolas e descabidas.

Que fique claro: Neymar nunca foi nem será Pelé.

O mais triste nessa história, porém, é que ele também não se tornou Neymar.