Camila, minha filhota, acostumou seus dois pequerruchos, que por coincidência são meus proprietários, a dormir no escuro. Deliciosamente, aproveitando o que as noites têm de melhor: silêncio e viagem interior. 

(Corrijo: a orientação é do Luiz Felipe, pai dos orgulhos do vovô.)

O temor de João Vicente e Joaquim ante a falta de luz?

Zero.

Só adulto foi que eu descobri que o temor das minhas madrugadas insones, na minha infância, tinha um nome revelador e impactante: “terror noturno”.

Quando as luzes da velha casa da Buarque de Macedo se apagavam, e eu era bem menino, acendia a minha imaginação - que eu não controlava e que insistia em me levar por caminhos indesejados e assustadores. Só quando o cansaço me nocauteava é que eu embarcava no sono reparador. Claro: a manhã seguinte seria de protestos por ter de acordar “tão cedo”.

O “terror noturno” (e bote terror nisso) é uma fobia que crianças em todo o mundo - e ainda bem que nem todas - tiveram ou têm de enfrentar. Algumas pessoas a carregam para a vida inteira ou a adquirem no meio do trajeto por motivos vários – e até sem motivo.

Hoje, quanto mais escuro o quarto, melhor eu durmo. Não sei como nem por que venci esse medo e adquiri outros: tenho o que se chama de fobia social, ou, mais especificamente, “fobia de palco”, o que me provoca a tal “angústia antecipatória”. Minha breve carreira musical, por exemplo, bateu no muro e voltou. Eis um temor que já desisti de tentar superar (para alívio do público).  

Nada como um bom livro, escrito por alguém que domina um tema, para aprendermos sobre nós mesmos, até quando o assunto nos parece tratar apenas da vida dos outros. Foi o caso de Bem que eu queria ir, do americano Allen Shawn - um ótimo aprendizado. Perseguido a vida inteira por sua agorafobia de estimação, ele teve de encarar um destino difícil de cumprir. Resolveu, talvez como catarse, estudar e escrever o que aprendeu sobre a sua dor. 

À luz da Neurociência, da Seleção Natural e da Psicanálise, Shawn se deparou com um universo grandioso, muito além do que podia imaginar ao pretender se aprofundar sobre as fobias.

Estão catalogados cerca de 500 tipos de fobia (alguns bem específicos), o medo paralisante cuja origem nem sempre é explicável. Músico, escritor e professor universitário, Shawn, de uma família de intelectuais, já havia se debruçado sobre a vida de um dos seus compositores preferidos, Arnold Schoenberg, que sofria de... triscaidecafobia, ou simplesmente o medo do número 13 (um tio meu, Mirinho, que morreu com 101 anos, se apavorava quando se deparava com aquele monstro a sua frente: 13 - sem qualquer menção à política).

A agorafobia – ou o medo de espaços públicos abertos e/ou descobertos, numa definição mais simplista – do autor pareceu-lhe, então, até mais compreensível do que algumas situações de pânico absurdas  "a olho nu". 

O siderofóbico, por exemplo, não poderia ser poeta, por temer as estrelas! Os portadores de genofobia estão, praticamente, condenados a não procriar – têm medo do sexo. A estes, se juntam os hedonofóbicos, tementes ao prazer.

Há pessoas que não suportam ouvir a própria voz, fonofóbicos que são. A estasifobia é própria dos que não conseguem ficar parados. Medo agudo de se ver no espelho? Isotrofobia. E da nudez? Gimnofobia. E vão por aí as esquisitices dos pobres humanos que somos.

Existem também as fobias mais comuns, e algumas eu até carrego comigo, bem cultivadas: claustrofobia (medo de lugares fechados e/ou apertados); acrofobia (medo das alturas); ataxofobia (dos muito incomodados com a desordem ou a desorganização); além de outras centenas de sofrimentos difíceis de suportar num cotidiano que se pretenda um tanto saudável.

Se você, ao contrário e felizmente, não carrega consigo uma dessas limitadoras da qualidade de vida, não perca a esperança: quem sabe até uma fobofobia – medo de adquirir fobias – não está a lhe espreitar numa esquina da fugaz existência.

Nunca é tarde, nunca é demais.