Na sessão extraordinária da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ocorre na tarde desta quinta-feira (13), em um longo relato, a ministra Laurita Vaz afirmou considerar “absolutamente necessário o afastamento do governador Paulo Dantas do cargo, para evitar interferências indevidas” e a continuidade do dano ao erário demonstrado nos autos da operação Edema, da Polícia Federal. 

Segundo a ministra, mesmo após a posse de Dantas como governador, o esquema investigado seguiu ativo, “denotando aparente desdém dos envolvidos ou grande confiança na impunidade”.

Ao descrever os fatos que a levaram a determinar o afastamento, a ministra apontou que, conforme os autos, além da continuidade do crime, houve tentativa de ingerência na investigação da PF, por parte do delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas, Gustavo Xavier, além de suposta coação à testemunha, que também relatou ameaças de morte por integrantes da organização criminosa, que seria comandada por Dantas desde 2019 até o momento, com a participação da prefeita licenciada de Batalha, Marina Dantas, e Theobaldo Cintra, prefeito de Major Izidoro, respectivamente, esposa e cunhado de Paulo Dantas.

Ao iniciar sua fala, a ministra defendeu que, no âmbito da operação Edema, a PF fez uma investigação de altíssimo nível, após denúncia anônima recebida em outubro de 2021. “Os autos foram alçados ao STJ após declinação de competência da 17² Vara Criminal, sendo a mim atribuídos de forma aleatória”, destacou, acrescentando que os trabalhos foram conduzidos dentro da mais perfeita normalidade. Ela também repudiou a tentativa de alguns de transformarem sua decisão, visando “estancar a sangria desatada dos cofres públicos de Alagoas”, em algo político. 

Modus Operandis

A magistrada explicou ainda que, mesmo após a quebra de diversos sigilos (bancários e telefônicos) e o cumprimento de vários mandados de busca e apreensão na fase anterior da operação, em março deste ano, a orcrim - organização criminosa- continuou a atuar com pequenas alterações no modus operandis.

As investigações mostram que os saques eram geralmente realizados às 6h da manhã. Os policiais federais acompanharam o movimento em diversas agências bancárias de Maceió e identificaram potenciais suspeitos que faziam saques em espécie, ao longo de vários dias, que somados alcançavam valores milionários.

Entre os suspeitos de atuar na lavagem de dinheiro estão o policial militar aposentado José Carlos Leite de Araújo e sua esposa, Alda dos Santos, sem vínculo trabalhista e com situação incompatível com os valores movimentados. 

“Diante dos fortes indícios da orcrim, no dia 7 de janeiro de 2022 foi instaurado inquérito policial e no dia 4 de março, após autorização do juiz da 17ª vara foi deflagrada a operação Edema, o que rendeu arrecadação de vasto acervo. Várias pessoas foram inquiridas e a análise evidenciou grave esquema de desvio de recursos públicos na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE). Somente após as diligências identificamos que o esquema seria liderado pelo então deputado Paulo Dantas”, relatou Laurita.

Testemunha e ação da PC-AL

Ao falar sobre um dos envolvidos no esquema, e também testemunha, José Everton dos Santos Gomes, que foi levado à PF com R$ 32 mil em espécie e diversos cartões em nomes de terceiros, a ministra destacou que “o próprio abordado confessou que os titulares eram servidores fantasmas da ALE”.  Em outro momento, José Everton denunciou que familiares seus sofreram ameaças pelo não repasse dos R$ 32 mil apreendidos pela Polícia Federal.

A ministra relatou que a PF noticiou um fato inusitado, quando em agosto deste ano, o delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas, Gustavo Xavier, falou com uma delegada da superintendência da PF em Alagoas solicitando que um delegado da PF fosse à sua sala coletar um novo depoimento de José Everton.

“Mesmo informado que não seria esse o procedimento, o chefe da PC de Alagoas insistiu para que o delegado da PF fosse até a sala dele”, comentou a ministra, observando que o “atual chefe da PC goza de grande confiança de Paulo Dantas e, possivelmente, tentou intervir no caso possivelmente a pedido do governador”.

“A PC encaminhou à PF novo depoimento com versão diferente sobre os fatos ocorridos mostrando a evidente movimentação de bastidores visando interferir na investigação a favor de Dantas. Causa perplexidade o atrevimento do delegado-geral da PC para forçar uma nova oitiva do criminoso, que confessou com riqueza de detalhes os crimes, indicando nomes à PF”, falou a ministra lembrando que, “o delegado-geral da PC não satisfeito, resolveu ele mesmo fazer a oitiva, quando o criminoso desdisse tudo o que disse. 

Laurita afirmou que o caso ainda será apurado, “mas deixa clara a ingerência do governador”. 

Patrimônio

A ministra detalhou também a evolução patrimonial do casal Paulo e Marina Dantas, comentando que na declaração ao TSE de 2018 o governador declarou um patrimônio de R$ 796 mil aproximadamente e sua esposa, Marina Dantas, quando candidata a prefeita de Batalha, R$ 365 mil. 

Conforme ela, entre 2019 e 2022, as provas recolhidas durante a investigação demonstram uma evolução patrimonial de cerca de R$ 10 milhões, incluindo a compra de um apartamento de luxo, usado como parte do pagamento de uma mansão com valor estimado de R$ 8 milhões, no condomínio Laguna. 

“Em curto espaço de tempo,  2019 a 2022, eles experimentaram aumento exuberante no padrão de vida, passando de um apartamento de R$500 mil para uma mansão de R$ 8 milhões”, pontuou Laurita Vaz, afirmando que o apartamento foi pago integralmente com o dinheiro desviado da ALE.

"Exatamente no período do desvio de verbas da ALE o casal apresentou evolução patrimonial exorbitante, adquirindo imóveis no valor de cerca de R$ 10 milhões, tudo encontrado em planilhas, conversas em aplicativos, comprovantes bancários, evidenciando a existência da orcrim, desde 2019”, prosseguiu.

“Além de peculato e de lavagem de dinheiro, as provas, contundentes, mostram que ainda há a permanência da ação da orcrim, com base em vastos documentos, imagens dos sistemas internos de agências bancárias, relatórios do COAF, conversas de aplicativos”, frisou a ministra, ressaltando a existência de pelo menos 93 servidores fantasmas na ALE, cujos vencimentos eram sacados nas agências pelos operadores do esquema, o que vem ocorrendo ao menos de 2019 a 2022, sendo orquestradas por Paulo Dantas quando ocupava o cargo de primeiro-secretário da ALE.