O futuro do Clube dos Fumicultores continua incerto neste final de ano. O Vereador Márcio do Canaã apresentou à Câmara de Vereadores de Arapiraca, na terça-feira (14), um Projeto de Lei que transforma o clube em patrimônio cultural e histórico. O prédio localizado no centro da cidade faz parte da história de Arapiraca que se desenvolveu com a cultura fumageira. A iniciativa do vereador foi celebrada por ex-parlamentares da Casa Herbene Melo que ressaltaram a urgência em preservar a história dos fumicultores que contribuíram no desenvolvimento que transformou Arapiraca na capital do agreste. Ao mesmo tempo, a diretoria convoca segundo edital para permuta do clube às vésperas do Natal.

 

O vereador Márcio do Canaã protocolou na sessão o Projeto de Lei nº 77/2021 que propõe tombar como patrimônio histórico o Clube dos Fumicultores como bem cultural e material do município de Arapiraca. Na justificativa do projeto, o vereador ressalta que o prédio foi palco de diversos acontecimentos marcantes da história como conferências partidárias, bailes carnavalescos, shows com artistas nacionais, servindo até como fórum popular para a justiça de Arapiraca, pois na época não tinha prédio próprio.

 

“Um prédio como o do Clube dos Fumicultores não era pra estar passando pelo que está passando hoje. Acredito que com esse projeto de tombamento, a prefeitura vai ter outra visão perante esse clube, porque é um clube que desde 1949 vem alegrando os arapiraquenses e hoje está deixando a desejar. Eu acredito que se nós arapiraquenses não tomarmos uma iniciativa e tentar zelar pela parte cultural, isso vai se perder. Estou com esse projeto na Câmara, vou pedir a sensibilização dos companheiros para que aprovem esse projeto porque eu acredito que seja de extrema importância para Arapiraca, no sentido da cultura da cidade. Arapiraca nasceu da cultura do fumo e o Clube dos Fumicultores não era pra estar numa situação como essa”, ressaltou o vereador que também é fumicultor.

 

O secretário de articulação política de Arapiraca e presidente municipal do MDB, José Macedo, exalta a iniciativa de preservação da memória do Clube. “O tombamento desse Clube é de um significado maior, que a gente mantenha viva a sua história e os acontecimentos da cidade, como as palestras de Dom Helder Câmara em 1968 e 1969; já veio figuras internacionais para esse clube. Eu me orgulho muito de ser arapiraquense. Eu, como o vereador Márcio, fui fumicultor e fazia todas as coisas no curral de fumo. Quero ver aquele espaço do Clube um centro de cultura, com cafezinho para ir bater um papo e a gente se deleitar na cultura, ter uma área de lazer”, confessou o político.

 

Macedo lamenta a possibilidade de permuta do clube que, para ele, descaracteriza e desvaloriza a sua história. “Ali foi palco de muitas coisas, não pode morrer assim. Essa mudança de local é a morte do Clube dos Fumicultores e eu não vou ficar feliz com isso enquanto filho de Arapiraca e fumicultor”, disse José Macedo.

 

O Clube dos Fumicultores já tem uma de suas paredes consideradas patrimônio de Arapiraca. Um painel produzido pelo artista plástico e ex-vereador de Arapiraca, Ismael Pereira, que conta a história do fumo na cidade. Em 2019 foi tombado como patrimônio, graças ao projeto da então vereadora Gilvânia Barros. Para o vereador Márcio do Canaã, que também trabalha como fumicultor, é necessário tornar todo o prédio patrimônio da cidade.

“Foi um projeto da vereadora Gilvânia Barros, que foi muito inteligente ao fazer esse projeto e agora vamos tentar tombar todo o prédio em si, porque aquela área tem chance de ser um cartão postal da cidade, para que a gente possa levar nossas crianças que hoje são carentes de cultura sobre Arapiraca, é uma coisa muito vaga. O Clube dos Fumicultores pode ser um museu de Arapiraca, em que as pessoas cheguem e possam se sentir bem”, explicou.

 

Apoio

 

O ex-vereador Josias Albuquerque, que foi responsável por outros dois tombamentos na cidade: da Igreja de São Sebastião em 2005 e da árvore que deu a origem à cidade em 2007. Josias relembra que no processo de tombamento da árvore original a mesma corria riscos de se deteriorar.

 

“A história de Arapiraca nós temos que resgatá-la desde o seu início. A árvore de Arapiraca quando passava por lá, constatei que estava muito degradada, precisando de alguns reparos. Minha ideia era de tombar e fazer uma revitalização. Isso é um resgate para nossos netos, lá na frente quando forem para a história de Arapiraca, saberem que ela vem de lá atrás. O tombamento foi fundamental porque estava prestes a arriar com as chuvas, era uma tendência natural que a gente perdesse aquela origem, que é uma relíquia centenária”, contou.

 

Para Josias, a iniciativa do novo vereador é louvável e demonstra preocupação com as questões locais. “É um patrimônio que merece o tombamento porque ele resgata as origens da nossa terra, então torná-lo patrimônio histórico vai ser fundamental para a história do futuro da nossa cidade e preservar as suas origens”, reforçou.

 

O arapiraquense de coração, artista plástico e ex-vereador da cidade, Ismael Pereira, parabenizou a proposta e reforçou a necessidade de preservar o Clube que conta a história de Arapiraca. Em razão do feito, Ismael Pereira escreveu para o Jornal de Arapiraca um artigo sobre o projeto de lei do vereador. Confira na íntegra:

 

VIGIAI E ORAI

Vai longe o tempo em que ao preconizar a possibilidade de o homem voar, Leonardo da Vinci disse: “Haverá asas, se a realização não me couber caberá a algum outro”. Invoco a frase célebre do gênio italiano para dizer: haverá tombamento do Clube dos Fumicultores como um todo. E, já que no momento não ocupo uma cadeira no colendo Parlamento Municipal de Arapiraca, coube ao nobre vereador Márcio Canaã ser o autor da propositura dispondo sobre o tombamento em tela, ratificando destarte, o seu inarredável compromisso de galvanizar os anseios do povo, e defender intransigentemente os legítimos interesses da coletividade da qual é lídimo representante.

Desde já parabenizamos o autor da propositura, exaltamos os demais doutos pares da egrégia Corte Legislativa Municipal, pela unânime aprovação da matéria em pauta, e ao Excelentíssimo Senhor Prefeito de Arapiraca pela sanção do diploma legal do referido tombamento.

Salvo melhor juízo, só o tombamento do extenso mural existente no interior do Clube dos Fumicultores de Arapiraca, já significa um grande óbice para a consolidação da pretensa “permuta “do mais que cinquentenário imóvel em comento.

Vale ressaltar que, o tombamento do Clube dos Fumicultores como um todo, é o mesmo que um nó, um “Laço de Nelson” que lembra o almirante Nelson ao fazer um providencial arremate em um botão de sua farda para prender a manga solta devido à falta do braço perdido na batalha de Santa Cruz de Tenerife.

É de fundamental importância salientar que: “O bem tombado não poderá, em caso nenhum ser destruído, demolido ou mutilado”. Portanto, torna-se um bem inamovível. Pergunta-se: como pode então pretender-se permutar um bem tombado?

O Decreto-lei Nº 25 de 1937 em plena vigência estabelece como patrimônio o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e que sua conservação seja de interesse público, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou ARTÍSTICO, que é justamente o mural que descreve modularmente a atividade fumageira.

É aconselhável que, o(s) promitente(es) adquirente(es) e pretensos permutantes prestem bem atenção para os pertinentes dispositivos da Lei do Tombamento. Sejam cautelosos e contem até dez antes de embarcar nessa canoa que não tem porto seguro para ancorar. Vigiai e orai.

 ISMAEL PEREIRA – É artista plástico, poeta, escritor e bacharel em Direito.

 

Novo Edital

 

Ao mesmo tempo, a direção do Clube dos Fumicultores convoca mais um edital para permuta do Clube que consiste na quitação dos atuais débitos, que são em torno de R$ 1.2 milhões de reais, e a construção de uma nova sede social em outro local a ser definido. O primeiro, lançado em agosto, não recebeu propostas e com isso a diretoria realiza mais um chamamento de permuta. Segundo Fabrízio Almeida, presidente da Comissão Especial da Concorrência Pública responsável pela publicação do edital, a permuta é a única saída possível para o Clube. “Nós entendemos que a forma apropriada de preservar a história é não permitindo que o clube acabe, que não venha alguém e arremate por qualquer valor, encerrando tudo que foi vivido de uma forma melancólica. O nosso projeto é de resgate, respeitando tudo que foi construído, as histórias vividas. É claro que sentimos ter que deixar a atual sede, respeitamos as memórias afetivas de todos. Também tomamos o cuidado de dedicar um dispositivo para salvaguardar o painel que conta a história do ciclo do fumo, obrigando o vencedor a reconstituir na nova sede.

 

O edital prevê que os interessados entreguem as suas propostas entre os dias 21 a 23 de Dezembro. Fabrízio destaca que por ser um prédio privado, nunca teve a pretensão de se tornar um espaço de museu.

“Explicamos que a razão de existir dos Fumicultores é o convívio social, não nasceu para ser um museu. Por décadas o patrimônio foi se deteriorando porque a maioria dos sócios deixaram inclusive de pagar, o que ocasionou na situação de vulnerabilidade econômica atual, nos débitos com os entes públicos e as penhoras do patrimônio batendo na porta. O fato é que se não forem tomadas medidas concretas fatalmente vamos perder o patrimônio, que é dos sócios proprietários. Existe muita responsabilidade neste processo todo; a primeira é compreender que a atual sede já não atende uma sociedade moderna, muito diferente daquela que frequentou o clube nas décadas de 70, 80 e 90. Conforme previsto no projeto, a proposta é de um clube novo, sem dívidas, que atenda aos desejos atuais, as necessidades, pensando também no futuro e sua manutenção, com espaços atualizados, conectando bem as gerações”, elucidou.

Agora, o projeto aguarda passar pelas comissões da Câmara para que validem e que possa ir para o plenário da Casa Herbene Melo e ser apreciado pelos vereadores. E, assim, proteger a memória do Clube dos Fumicultores e garantir que ela seja passada para as próximas gerações. Para valorizar a cultura fumageira de Arapiraca, o vereador Márcio do Canaã colocou também um projeto que insere no calendário municipal a data 28 de Outubro como o Dia do Fumicultor.

Foto: Divulgação