O rol da ANS é taxativo ou exemplificativo?

22/07/2021 12:18 - Blog do Rodrigo Monteiro
Por redação

O fenômeno da judicialização da saúde vem crescendo de forma exponencial nos últimos anos. Segundo dados liberados pelo Conselho Nacional de Justiça, ele impõe ao poder judiciário cada vez mais o papel de analisar o direito, a luz das normas regulamentares do setor de saúde suplementar, e, principalmente, do direito do consumidor.

Nesse contexto, é que podemos debater os desdobramentos dessa discussão acerca da taxatividade ou exemplificatividade do rol de procedimentos e eventos em saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Esse tema é de grande relevância e impacto sobre as operadoras de saúde do país.

Então, o que seria o rol de procedimentos e eventos de saúde editado pela ANS? O rol da ANS é o rol que estabelece uma cobertura mínima e obrigatória a ser disponibilizada pelos planos de saúde, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de todas as doenças listadas na classificação internacional de doenças, também conhecido como a CID.

A previsão legal da competência acima mencionada da ANS é elencada na lei de criação da própria Agência, a lei de nº 9.961/2000, onde fica estabelecido que a ANS tem o condão de elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde.

A amplitude das coberturas, inclusive de transplante e procedimentos de alta complexidade, será definida pelas normas editadas através da ANS. É importante destacar que, nenhum plano de saúde pode ser comercializado com a cobertura menor do que a definida no rol, todavia, é possível que alguns consumidores contratem planos com coberturas objetivas não previstas no rol.

Vale lembrar que o rol, definido pela ANS, é considerado como um dos grandes avanços no marco regulatório no setor de saúde, uma vez que veio a padronizar as coberturas que serão ofertadas pelas operadoras, de acordo com cada segmentação. Como também, possibilitou uma maior segurança e equidade aos contratantes dos planos de saúde.

Ademais, cabe o questionamento: como são feitas as escolhas dos procedimentos que farão ou não parte do rol da ANS?  A escolha é feita em consonância com a resolução normativa de nº 439/2018, onde são realizados debates ordinários a cada dois anos, os quais são abertos a contribuições de especialistas de saúde, da sociedade civil, e demais participantes interessados do mercado, onde juntos, realizam uma ampla análise dos temas postos em avaliação, a fim de definir todos os eventos a serem obrigatoriamente cobertos pelas operadoras. Esse procedimento, obedece algumas diretrizes, dentre eles a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, as ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, como também a manutenção do equilíbrio financeiro e econômico do setor.

A cada novo procedimento que se pretende incluir no rol, é realizado uma análise criteriosa sobre diferentes aspectos, tais como, custo e efetividade, potenciais riscos decorrentes da sua incorporação, aferir a real viabilidade de determinado procedimento a ser entregue aos beneficiários, sem risco aos consumidores, além da verificação do efetivo impacto financeiro e orçamentário gerado pela incorporação da tecnologia.

A definição do rol de procedimentos da ANS é de extrema importância tanto para as operadoras de plano de saúde, como também para os seus usuários, gerando assim uma possível segurança jurídica, pois, atualmente, há divergências de entendimentos elencadas pelas 4º e 3º turmas do Superior Tribunal de Justiça.

Vale ressaltar que para a 4º turma o rol de procedimentos da ANS é taxativo, o que já vem provocando mudanças em alguns entendimentos dos nossos tribunais, e em contrapartida, o entendimento da 3º turma é que o rol é meramente exemplificativo.

Insta salientar que um dos fundamentos para o entendimento da 4º turma do STJ, é que interpretação gramatical e teológica do rol, no art 10 da lei 9.656/98, é taxativo ao determinar expressamente que a amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela Agência Nacional de Saúde.

Outro olhar bastante importante da 4ª turma, é de que a taxatividade do rol, possibilita uma maior segurança jurídica para as operadoras e aos próprios beneficiários e consumidores, não podendo os planos de saúde serem obrigados a cobrir tratamentos não previstos pelos contratos e pelas normas incidentes.

Ademais, a defesa do rol taxativo é que o financiamento do setor de saúde suplementar é baseado no mutualismo, através do compartilhamento do ônus e dos sinistros. Assim sendo, entender que o rol seria exemplificativo, implicaria na ruptura do próprio equilíbrio econômico financeiro dos contratos dos planos de saúde, eprejudicaria o universo dos beneficiários, já que a precificação do plano leva em consideração os riscos contratados e a garantia da sustentabilidade do setor, bem como o atendimento dos usuários.

Outro ponto, é que não pode haver afronta ao pacto geral contratual do pacta sunt servanda, o qual estabelece obrigatoriedade de observância e cumprimento das regras dos contratos celebradoslivremente entre as partes.

Diante dessa discussão que versa sobre o tema, se o rol é taxativo ou exemplificativo, convém mencionar que a diretoria colegiada da ANS, aprovou recentemente uma resolução normativa que atualiza o rol em questão, e que entrará em vigorar a partir de abril de 2021. Na resolução, consta expressamente no texto aprovado que o rol é taxativo, conforme já vinha defendo a Agência Nacional de Saúde, antes mesmo dessa nova resolução e também, antes do entendimento acertado da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça.

Cabe ainda destacar que, o grande crescimento da judicialização da saúde suplementar, experimentada no Brasil nesses últimos anos, tem como cerne a natureza do rol de procedimentos da ANS. Com isso, percebe-se que essa imposição as operadoras de planos de saúde, de cobertura de eventos  e procedimentos não previstos no rol da Agência, traz como consequência o desequilíbrio do cálculo atuarial voltado para a carteira dos clientes, o que também ocasiona o aumento dos preços para todos os demais beneficiários, excluindo cada vez mais pessoas a terem acesso ao serviço de saúde suplementar.

Ocasiona também, um cenário de insegurança jurídica para as operadoras, que passam a ser obrigadas a custear tratamentos não previsto nos contratos, não previstos no rol da ANS, e que por algumas vezes, esses procedimentos são experimentais.

Por fim, não podemos esquecer que ao tornar o rol exemplificativo, uma das maiores consequências é a padronização de todos os planos de saúde, representando assim intervenção na própria concorrência de mercado, o que é notoriamente prejudicial a iniciativa privada.

 

 

Bárbara Toledo Souto

Advogada Especialista em Direito Médico e da Saúde

Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/SE

OAB/SE 9402

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