Segundo dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o brasileiro está lendo mais durante a pandemia do novo coronavírus. Em entrevista à Agência Brasil o presidente do sindicato, Marcos Veiga contou que, desde julho e 2002 as vendas têm crescido e continuam crescendo este ano. Ele credita isso ao fato de as pessoas, passando mais tempo em casa, estarem redescobrindo o prazer da leitura. 

Os números obtidos pelo sindicato mostram que, em comparação ao mesmo período do ano passado, no primeiro trimestre de 2021 houve um aumento de 25% no número de exemplares vendidos no país, cerca de R$ 12 milhões contra R$ 9,6 milhões.

A notícia, no entanto, por enquanto anima apenas o mercado online, já que a pandemia atingiu fortemente as livrarias físicas, como todo o comércio. Para saber mais sobre o dado trazido pelo Snel e os impactos da crise sanitária e econômica no setor, o CadaMinuto ouviu leitores e o proprietário de uma tradicional livraria da capital. 

“Cheiro único de livro novo”

Dono da Nova Livraria, o empresário Kleiton Roberto Melo De Oliveira disse que desde 2016 o mercado tradicional do livro vem sofrendo consideráveis impactos, primeiro com a chegada do grupo Amazon, uma das maiores redes da internet, vendendo livros com preços abaixo do mercado e logo após, com as crises de duas das maiores redes de livrarias do país. 

A pandemia, portanto, agravou uma situação que já estava difícil. “Eu tinha três unidades da Nova Livraria na capital e agora estou mantendo apenas uma. Tive que fechar a primeira no início da adoção das medidas mais rígidas de isolamento social. A segunda, funcionando dentro de um órgão público, ainda consegui manter por um tempo, mas infelizmente não pude mais, já que a restrição continua até hoje”, contou Kleiton.

Afirmando ter mais liberdade na unidade que segue funcionando, o empresário disse que as novas ferramentas tecnológicas ajudaram a minimizar o impacto da pandemia nos negócios e a ampliar as vendas: “Com o uso do WhatsApp e Instagram, levo o material direto para os clientes, porque houve um aumento nessa demanda, pelo fato das pessoas estarem mais em casa. Procuro manter o contato diário com os clientes, manter todo nosso material atualizado e sempre com um catálogo amplo, tanto nas áreas técnicas, quanto na literatura”.

“Além disso, busco assegurar um atendimento humanizado, menos mecânico. No Whatsapp, por exemplo, não temos mensagem programada. Eu mesmo faço questão de responder cada cliente e alguns acabam por se tornar amigos. Conhecendo o perfil desses, até conseguimos ofertar obras periodicamente e manter uma clientela fiel, pois a livraria se torna um ambiente de convivência também”, completou. 

Para o empresário, a recuperação do setor deve ocorrer em torno de um ano. “Afinal de contas, o livro físico nunca irá acabar. Sentimos hoje, mais do que nunca, a necessidade do contato, do acolhimento. Acredito que assim seja com os livros. O meu público tem um grande apreço por livros físicos, gosta de tocar, sentir o cheiro único de livro novo, sem falar na sensação de tê-lo em sua biblioteca pessoal”, destacou com otimismo.

“Encanto do contato”

O jornalista Luis Vilar disse que a pandemia não afetou seu ritmo de leitura e que vê como natural, diante do isolamento, o livro ter se tornado parte da vida das pessoas de forma mais intensa, conforme constatado pelo levantamento do Sindicato dos Editores. 

“As medidas restritivas impostas pela pandemia geraram um confinamento que pode ter levado as pessoas a repensarem o tempo e reencontrarem formas de aproveitá-lo melhor. Quem teve condições de ficar em casa, pode ter substituído os momentos de lazer na rua por livros”, avaliou.

Em relação ao crescimento da venda de livros on-line, o jornalista pontuou que as livrarias físicas já vinham sofrendo com isso antes da pandemia. “A livraria física é uma paixão para mim, ainda mais se for local e não de grandes redes, mas acho que pessoas como eu não são maioria e as medidas restritivas só acentuaram, a meu ver, uma tendência”.

Reforçando a fala de Kleiton, Luis destacou que, para ele, a livraria física “guarda o encanto do contato com o livro, do ambiente que gera conversa com outros leitores e as relações pessoais”: “Quando é uma livraria local, isso ainda é intensificado. São prazeres que a compra online retiram. Por isso, ainda que pague um pouco mais caro, eu prefiro a livraria física pelo que o ambiente proporciona”, explicou.

Para aproveitar o momento positivo do aumento no número de leitores, o jornalista indicou, para quem já está habituado ou para os novatos na paixão pela literatura, a leitura dos clássicos de Doistoievski, Shakespeare, Thomas Mann, Machado de Assis e outros. “Reencontrar as raízes por meio dos épicos como Homero, Virgílio, Dante e Goethe. São obras que ampliam o horizonte de consciência para além do entretenimento. Claro que a leitura de mero entretenimento também tem sua função, mas até a apreciação do que há de mais simples ganha outra dimensão com os clássicos”, finalizou.

 

Mais tempo para a leitura

Entre os brasileiros que estão lendo mais, a estudante de Jornalismo Alícia Flores confirmou que, durante a pandemia, seu ritmo de leitura quase duplicou. “Eu consegui, de maneira bem natural, retomar esse hábito, que venho mantendo desde março do ano passado. Acredito que o maior fator que contribuiu para isso seja a otimização do tempo. Por exemplo, não preciso mais andar de ônibus ou em carros de aplicativo para me deslocar às aulas ou ao trabalho, então já é um tempo livre a mais”, contou, lembrando que o fato de não precisar acordar tão cedo quanto antes lhe deixa menos cansada e mais disposta no fim do dia, que é quando realmente pode parar e se dedicar a leitura.

Alícia também está entre aqueles que passaram mais a comprar livros pela internet. “Como não saí muito durante a pandemia, a maior parte dos livros que comprei foi assim, mas nas vezes que precisei ir ao shopping, aproveitei a oportunidade para olhar os títulos e escolher alguns para levar para casa, porém nem sempre foi possível fazer isso. Além disso, comprei um aparelho digital de leitura e, pelos valores dos livros serem mais baratos, comprei mais e-books do que livros físicos”. 

A estudante ressalta, no entanto que há coisas que só a livraria física proporciona: “Online, já faço a compra decidida, escolho o livro que já tenho em mente e pronto. Já na livraria, eu gosto de sair passeando entre as fileiras, lendo as sinopses, as primeiras páginas e conhecendo livros diferentes. Além disso, os funcionários sempre podem ajudar e dar indicações, com base no formato que procuramos ou nos livros que já gostamos. Por isso, acredito que ir numa loja física é uma maneira de ampliar os meus gostos literários, e conhecer novos autores e novas histórias”.

Entre os livros que Alícia indica para serem lidos no período atual ou em qualquer outro, estão “O sol é para todos”, de Harper Lee; “Todo dia a mesma noite”, de Daniela Arbex; “Frankenstein”, de Mary Shelley; “Harry Potter”, de JK Rowling; e “Coraline”, de Neil Gaiman.