Passo a passo de um crime: como assassino e delegado teriam montado plano para matar juiz

10/04/2021 11:33 - Justiça
Por Raíssa França
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O despacho final da investigação da PF (Polícia Federal) sobre a morte do advogado Nudson Harley, de 46 anos, faz um relato que aponta como em 15 dias o crime teria sido planejado. De acordo com a PF, o alvo era o juiz Marcelo Tadeu. O crime ocorreu no dia 3 de julho de 2009, em Maceió.

Tudo começa no dia 19 de junho, quando a justiça decreta a prisão temporária de Wendel Guarinieri, que seria o autor material do crime.

Naquele dia, ao prestar depoimento no desligamento do programa de proteção às testemunhas, ele falou à promotora Marluce Falcão de que teria sido contratado para matar uma autoridade de Alagoas. Naquele dia, a denúncia foi repassada ao então Gecoc (Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público Estadual), e Cerqueira fora designado para comandar a investigação pela polícia.

De imediato, sua prisão temporária foi decretada, e um inquérito foi aberto, sob comando da DEIC de Paulo Cerqueira.

Para investigar Wendel, a polícia deu início a um monitoramento telefônico autorizado pela justiça. Foi daí que vieram os principais indícios que levaram a PF a apontar Cerqueira como autor intelectual do crime.

Wendel ficou preso na DEIC e, após o fim do prazo de cinco dias da prisão temporária, segundo a PF, ele passou a ter uma "custódia particular" de Paulo Cerqueira.

“Registre-se que mesmo expirado o prazo de prisão temporária, Wendel permaneceu sob a ‘custódia’ da DEIC, sendo hospedado em um apartamento e uma pousada, tudo custeado pela Polícia Civil de Alagoas. Paulo Cerqueira passa a pagar algumas despesas de Wendel com recursos próprios”, diz delegado federal Alexandre José Borges de Mendonça, em seu despacho de 12 de março enviado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Na véspera do crime, a PF encontrou um outro dado surpreendente: Wendel trocou de chip para alterar o número do celular. Isso teria ocorrido, diz o delegado, por orientação de Paulo Cerqueira. 

A PF buscou os dados desse monitoramento do aparelho celular de Wendel. Descobriu que as gravações seguiram mesmo após a troca de número dele, já que o grampo foi feito no aparelho. 

Um dia após trocar o chip, Wendel recebeu uma ligação de Paulo Cerqueira. O conteúdo da fala, porém, foi apagado antes da PF abrir o inquérito. Sabe-se apenas que durou 1 minuto e 44 segundos.

“Registre-se que diversos áudios interceptados sumiram ou foram deletados”, diz o delegado federal.

Essa não foi a única ligação. Outra interceptação mostra  que Cerqueira e Wendel se falaram um dia após o assassinato de Nudson na porta de uma farmácia no bairro de Mangabeiras.

À PF, Wendel afirmou que Cerqueira seria o autor intelectual do crime. A contratação teria sido intermediada pelo policial militar Natan Simião, que já foi assassinado. 

Segundo a PF, ao assumir a investigação do caso, Cerqueira fez de tudo para encerrar a apuração precocemente, sem levar em conta a hipótese de erro de execução. Como se sabe, a vítima seria, na verdade, o juiz Marcelo Tadeu, que estava na farmácia no momento que Nudson foi morto.

Cerqueira nega o crime e, em nota, diz que recebeu a "notícia do indiciamento com a certeza de ser uma grande injustiça, pois sempre pautei minha atuação com respeito ao cidadão e à Lei."

"Rechaço, em nome da verdade, qualquer envolvimento em trama criminosa, muito menos em desfavor de uma pretensa vítima, com a qual sempre mantive relação cordial e respeitosa, e que a mim sempre dispensou o mesmo tratamento respeitoso”, disse. 

Juiz acredita que atuação dele gerou insatisfação

Para imprensa, o juiz aposentado acredita que as situações que ele atuou podem ter gerado uma insatisfação na visão coronelista em Alagoas. E questionou se “a quem o delegado atendeu mandando matá-lo é quem o mantém no poder há 10 anos”.

O juiz aposentado era considerado um magistrado “linha dura”. Ele tinha um histórico diferente dos outros integrantes do Judiciário. Ele ajudou a colocar, atrás das grades, integrantes da Gangue Fardada- organização criminosa formada por policiais militares e mantida financeiramente por usineiros e políticos de Alagoas; denunciou um usineiro na morte do tributarista Sílvio Vianna; lavrou algumas decisões que foram incômodas, como tomar bens dos milionários do setor do açúcar e álcool; e cassou o mandato do prefeito -irmão do desembargador que teria elaborado o plano de morte- e do vice. Ele acredita que essas situações geraram uma insatisfação.

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