Devido à pandemia do novo coronavírus, o Carnaval deixou de ser celebrado no Brasil pela primeira vez desde que a festa chegou ao país, no século XVI. O fato representa prejuízo econômico e cultural, mas prioriza a saúde pública e a preservação de vidas.

Foram adiados ou cancelados, em 2021, os tradicionais desfiles de blocos, as folias de rua e todas as tradicionais festa da folia de Momo, que atrai turistas ao estado e movimenta toda a economia.

Em entrevista ao CadaMinuto, o jornalista e fundador do bloco histórico de Maceió, o Meninos da Albânia, Ediberto Ticianeli, avaliar os impactos da suspensão da festa nas tradições carnavalescas de Alagoas.

Criador do Jaraguá Folia, no ano de 2001, e Diretor da Liga Carnavalesca de Maceió, Ticianeli também foi secretário de Cultura no governo de Ronaldo Lessa. Com grande conhecimento de causa, ele falou sobre a importância do Carnaval para a sociedade, o que será afetado pela suspensão da festa e sobre a possibilidade da realização da folia em setembro.

 Confira a entrevista:

Como avalia todo esse cenário de pandemia que faz com que o carnaval seja suspenso?

Cem anos após outra pandemia, a da Gripe Espanhola, estamos vivendo uma nova tragédia humana. Mas não era para estarmos sofrendo tanto. Infelizmente vivemos um momento histórico em que a vida humana não está sendo cuidada ou valorizada como devia. Já ouvi de tudo para justificar o rompimento dos cuidados que se deve ter para não contrair o vírus ou para não o espalhar. Disseram-me até que a economia não podia parar. Respondo que o que não pode parar é a vida. Sou um humanista.

 Qual a importância do carnaval perante a história e a sociedade? 

O carnaval tem diversas origens possíveis e assume modelos e fisionomias próprias nos diversos países, mas a característica que fez com que continuasse a existir por séculos é a de proporcionar os chamados ritos de reversão.

Imagine trabalhadores sem trabalhar e servidos por seus patrões, dividindo a mesa com eles. Esse momento de aparente inversão social e de liberdade momentânea, quando também se permitia o não cumprimento de regras comportamentais, proporcionava um estado de espírito muito diferente.

Essa é a característica dos carnavais, principalmente após as primeiras experiências republicanas.

Antes, o carnaval era a comemoração pelo fim do inverno, da escuridão e de início da fertilidade da terra. Isso seria também um momento muito diferente na vida dos escravos ou servos.

Não há como entender a força do carnaval sem levar em consideração o estado de espírito que ele provoca ainda hoje. Mas admito que isso está se perdendo, rompendo com suas origens. Cada vez mais ele se parece com um evento musical. Carnaval não é isso.

 Conforme sua avaliação, qual o impacto que a suspensão do carnaval irá provocar? 

O carnaval tem uma cadeia produtiva muito extensa e mobiliza segmentos que têm nele o seu ponto alto, como os da costura, maquiagem, bebidas, amplificação de som, segurança de eventos, cordeiros de blocos, fábrica de confecções e outros. Amplia a ocupação hoteleira até com quem prefere distância da folia.

Os produtores culturais também perdem. Alguns deles produzem os seus principais eventos durante o carnaval.

Entretanto, o maior impacto acontecerá na memória cultural de todos. O carnaval quase sempre é lembrado como um momento alegre, mas a não realização do carnaval de 2021 num período de temores e de luta pela vida, inevitavelmente nos levará a armazenar essa data na “caixinha” das lembranças tristes.

 Como avalia o carnaval fora de época, que está sendo proposto pela prefeitura de Maceió, para que aconteça no mês de setembro? 

As Micaretas existem no Brasil desde a década de 30 do século passado. Teve seu ponto mais alto em Alagoas com o Maceió Fest. Essa experiência teve fim, o que nos cobra uma análise mais acurada para não criarmos um evento com vida curta. Mas não vejo problema em discutir isso.

Particularmente para esse ano, considerando a “marcha” da vacinação, não vejo como realizá-lo. Não acredito que até setembro a população esteja segura e liberada para aglomerar. Mas vou torcer para que a vacinação seja acelerada, principalmente por salvar vidas.

Vi uma entrevista do Ricardo Santa Rita, do Turismo municipal, e ele deixa claro essas mesmas preocupações. É uma postura equilibrada e sensata.

Quais as mudanças que o senhor acredita que a nova gestão municipal pode fazer para as próximas edições do carnaval?

O carnaval no Brasil tem passado por transformações importantes. O carnaval tipo espetáculo, que tem como principal evento o desfile de escolas de samba no Rio de Janeiro, tem perdido força para o carnaval festa, de blocos nas ruas.

Outra questão a ser estudada é a relação do carnaval com suas músicas tradicionais, onde também há mudanças. Tem bloco no Rio tocando Beatles. Eu vi em São Paulo blocos que só tocam as músicas do Caetano Veloso e outro com os seguidores do Gilberto Gil.

Presenciei em Alagoas inúmeras concentrações carnavalescas animadas por música sertaneja ou por outros ritmos que não consegui identificar. É carnaval, mas é um carnaval cada vez mais diferente.

É preciso discutir urgentemente o carnaval que queremos. Acho que é hora de mobilizar quem pensa e quem faz carnaval para encontramos nossos caminhos.

 

*Sob supervisão da editoria