Os alunos que me tornaram uma preta ativista estão mortos.

15/10/2020 15:09 - Raízes da África
Por redação
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Fui professora de muit@s alun@s, divers@s, diferentes, mas, tem  algumas histórias que, de tão significativas, tornaram-se inesquecíveis.

Tem a história de dois alunos que me marcaram, profundamente, e abriram cancelas n'alma para  novos olhares interpretativos do mundo.  

Mundos que segregam, criminalizam.

O Cícero, um preto  adolescente,fruto de uma pobreza extrema, literalmente desdentado, de tanto ser  motivo das piadinhas racistas de outros jovens , decepcionado com  os  "deixá-pra-la" da direção da escola ( ah! é tudo brincadeira de jovens)  e a quebra permanente da auto estima ,que dificultava o aprendizado , simplesmente jogou a toalha, desistiu da escola.  

A escola é uma dos lugares, mais segregadores e conservadores e que retroalimenta, cotidianamente,  o racismo estrutural.

Quantas escolas, em Alagoas, dialogam com a Lei  Federal nº 10.639/03 e  a Lei Estadual nº 6.814/07?

A última vez ( faz tempo) que o encontrei ,Cícero, liderava um grupo de outros meninos pretos, como ele, e que cometiam pequenos roubos no Mercado da Produção, bairro da Levada, em Maceió,AL.

Nesse dia um dos meninos tentou me levar alguns pertences, mas, me reconhecer, Cícero, meu ex-aluno,  se interpôs :- Minha professora, não!

Cícero foi morto pela polícia, ainda na adolescência.

E tinha , também, o Daniel, um outro preto lindo, pobre,periférico e evangélico.

As muitas confusões da adolescência, a ausência do afeto que educa e toda pressão  de ser um menino preto levou-o para o mundo das drogas.

A última vez que o encontrei fez o pedido: - Tia, arruma um emprego pra mim...

Daniel foi fuzilado por uma gangue.  

Fui professora do Cícero e do Daniel. Dois meninos pretos, pobres, imperfeitos, periféricos, com as almas carregadas de sonhos.

Fui professora dos dois e   a grande lição que me ensinaram  foi a do ativismo, da resiliência.

Resistir, porque  jovens pret@s tem direito ao futuro e suas vidas importam.

Que estejam em paz!

 

 

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