É sábado e aniversário do Babá Manoel Xoroquê. Como forma de homenageá-lo faço a postagem de um texto que escrevi , em setembro de 2019, a pedido do jornalista Raudrin Lima, para o lançamento do jornal impresso O FATO.
"Conheci Manoel Xoroquê, em um dia desses, do ano de 2019. Quem me levou até o templo sagrado foi o sociólogo preto, soteropolitano, Carlos Martins. Era dia de celebração no Barracão que respirava a essência da magia. A magia das muitas gentes entrelaçadas numa coletividade bonita: saudar os orixás, como a personificação da ancestralidade africana divinizada.
Nas paredes do templo 10 imagens de orixás cultuados pelo candomblé, símbolos significativos da religião, observam, atentamente, a multidão humana que gira em rodas cheias de cores, cantigas, rezas, oferendas e fé.
O terreiro da Casa de Axé todo vestido de gente, emana uma magnitude intensa,força agregadora feito a sensação de colo materno, abrigo de almas.
Xoroquê é o mentor espiritual da Casa, localizada no bairro do Benedito Bentes II, em Maceió. Uma comunidade religiosa, com identidade nas raízes de matriz africana, encravada em uma periferia distante das políticas públicas e repleta de vulnerabilidades.
Uma periferia depreciada, preta e socialmente estigmatizada. Mais um território periférico abandonado pelo poder público, onde a violência é endêmica e impõe restrições à vida da comunidade.
É no Loteamento Bela Vista, no Conjunto Benedito Bentes II, maior bairro populacional de Maceió, em um barracão simples , que Xoroquê agrega ao seu perfil de sacerdote, o lado empreendedor social e vai possibilitando sonhos, a partir da prestação de serviços, para tanta gente cansada de cavar espaços de sobrevivência.
Sua mais recente iniciativa é a construção do Museu de Pedra, em uma propriedade própria, que tem no final da rua, lá no Loteamento.
-Não adianta professar a minha fé sem pensar em maneiras para ajudar o entorno do terreiro. É uma comunidade muito carente, cheio de jovens,muitos ociosos e aproveito o trabalho no sítio para promover uma forma de ocupação da cabeça e da alma, dessa juventude" - diz Xoroquê, externando sua preocupação social.
Quando conheceu o sagrado aos 13 anos, Xoroquê, que tem o nome de batismo de Manoel Lima Teixeira , sentiu na pele a intolerância e a rejeição à sua fé da própria família e apesar da pouca idade fez-se valente ao incorporar a crença, e até hoje ressignifica de uma maneira diferenciada, os ritos religiosos. Seu terreiro é uma das referências do culto do Candomblé, em Alagoas.
Essa referência no campo do sagrado tornou o Babalorixá e o terreiro recorrente objetos de pesquisa dos meios acadêmicos. São protagonistas no enredo de alguns TCCs, como o da Vanessa Silva, da Universidade de Sergipe, em 2013.
Procurado por estudiosos gravou diversos depoimentos em trabalhos de pesquisa e até mesmo filmes.
É o Pai de muitos filhos e filhas, inclusive de artistas famosos, gente global, digamos assim,mas, o fato não envaidece Xoroquê, muito pelo contrário, o sacerdote busca a não-ostentação midiática dos filhos famosos da Casa , para salvaguardar o fundante do sagrado, de exposições desnecessárias. Diz sempre que o que mais importa no terreno da religião é a partilha do poder e bem estar , que os Orixás,podem proporcionar às pessoas- conclui
Em uma das visitas que fiz ao sacerdote encontrei com Geogiana Góes, atriz da Globo, e filha da Casa, que estava ali para suprir as carências espirituais nos cuidados da alma.
Ela estava à mesa com mais algumas outras visitas: um cineasta, um senhor inglês, que mora na França, gente com um grau de importância social, mas, que na simplicidade do terreiro de Xoroquê se sente em sua própria casa. .
Artista autodidata, o Babalorixá decidiu reverenciar seu mentor espiritual, de quem emprestou o nome, e para isso se auto-determinou na criação de uma escultura ( sem nunca ter feito nada do gênero antes),como homenagem a Oxum Xoroquê. Levou um tempo, mas conseguiu brilhantemente, dar vida à sua homengem. Fez um trabalho de mestre, e a escultura ficou linda. Quem entra ao barracão se depara, na entrada, em um dos lados do jardim, com a a imponência da obra.
O Senhor Xoroquê, como a entidade é respeitosamente chamada por seus fiéis é o ferreiro, o guerreiro e o inventor, mas ele também é o Orixá do motim, da violência. É o imprevisível. Na linguaguem africana iorubá, seu nome é assim traduzido: xoro + ké= gritar ferozmente ou cortar cruelmente.
Em uma visita ao terreiro, o secretário de estado da comunicação do estado de Alagoas, Ênio Lins impressionou-se com a escultura, tecendo altos elogios ao sacerdote.
Produtor executivo, o empreendedor social que criou o Instituto da Cultura Afro no Brasil Legionirê e coordena o Afoxê Povo de Exú. Grupo, que surgiu 100 anos depois do episódio conhecido como "Quebra de Xangô", quando casas de axé em Alagoas foram destruídas, é uma subversão positiva. É um quebra ao xangô rezado baixo. Uma reinvenção da linguaguem cultural da periferia,e tem como base discutir racismo, pertencimento e construção da auto-estima, promovendo uma ocupação das ruas com a cultura do povo preto. Desmistificando o preconceito em relação ao culto da religião e desemdemoniando Exú, o senhor dos caminhos.
Recentemente o cantor alagoano, Djavan postou um vídeo nas redes sociais reafirmando a relevância do papel social do Afoxê e ainda, anunciando o novo clip que será gravado no mês de novembro.
E os clips do Afoxê nas redes sociais arrebentam. As últimas gravações já tem milhões de visualizações.
É o espaço da música vinda dos tambores ancestrais, que oxigena com possibilidades e arte, os vazios dos jovens filhos da casa, moradores do entorno e tantos mais que consiga alcançar.
Mas, o que me impressionou mesmo na casa foi o grande números de crianças reinterpretando o culto aos Orixás. Geralmente vão acompanhando às mães-filhas da Casa. E aí, entra a função social do barracão, que como um grande útero acolhe seus filhos, proporcionado abrigo e une dimensões entre o Ayê e o Orun, ou seja céu e terra.
Em uma determinada hora me aproximei curiosa fui conversar com uma das crianças,de 11 anos, e a segurança de conhecimentos da menina deixou-me impressionada. Achei fantástico partilhar da celebração da Casa onde algumas crianças participavam da gira, permitiu uma incrível imersão teórica nos fundamentos do ritual.
É um universo sagrado que convida ao mergulho das experiências, além das subjetividades terrenas. Na comunidade religiosa comandada por Xoroquê tem lugar para emoção, devoção e arte.
Xoroquê é um ponto de encontro entre o passado e o presente , um agregador de fiéis , um sujeito simpático com uma gargalhada que abraça o mundo todo, um Babalorixá dedicado a seus filhos e filhas, um carimbador e conhecedor da alma da gente. Fica o convite para conhecer o espaço sacralizado, o terreiro do Pai Manoel Xoroquê."
Um dos mais respeitados sacerdotes do candomblé em Alagoas.O artista. O empreendedor social.
Arísia Barros- conhecida, nacionalmente, pelo ativismo social preto-político, professora,redatora publicitária, escritora, coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, em Alagoas.
Foto: Felipe Camelo