"Não sou racista, tenho até amigos negros": quando o racismo é velado através de justificativas

06/02/2020 12:16 - Blog da Raíssa França
Por Raíssa França
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O caso da professora de Redação, Taynara Silva, que ocorreu ontem em Maceió não é novidade, infelizmente. Ele acontece todos os dias - seja na sala de aula, nas ruas, nos supermercados, dentro da própria família -, mas muitas pessoas fingem que não estão vendo ou ouvindo. Ao entrevistar Taynara, uma parte me chamou atenção: “Ela disse que não era racista porque tinha empregadas negras e porque tinha contratado uma professora negra, no lugar de uma branca”.

Não vou falar especificamente da diretora aqui, afinal, o colégio ainda não se posicionou. Segundo a professora, a diretora disse que não passava de uma “brincadeira”.

Mas, pegando esse gancho de “não sou racista porque contratei uma professora negra”, lembrei das inúmeras justificativas que os racistas usam para dizer que não são racistas. Frases do tipo: “Não sou racista... tenho até amigos negros”; “Não sou racista, mas não gostaria que meu filho namorasse com uma mulher negra”; “Não sou racista, mas você já viu como o cabelo da namorada do meu filho é ruim?”.

Se você já ouviu alguém falar isso perto de você, saiba de algo: essa pessoa é racista. E pior ainda: ela tenta justificar o racismo dela usando o “mas” ou o “tenho até” e tentando provar por A + B que não é racista. Para quem não sabe ou não lembra, racismo é crime. Entretanto, muitas vezes ele aparece velado nas frases não justificáveis.

Ontem, estava lendo uma entrevista do ator Bruno Gagliasso e da atriz Giovanna Ewbank para a revista QG. Giovanna está grávida e tem dois filhos negros que são adotados. Uma parte me chamou atenção: “A gente cruza a cidade porque é a escola em que nossas crianças podem se ver. Cheguei a colocar a Titi numa escola aqui perto, mas quando eu vi que tinha só ela e mais um menino negro, isso começou a me ferir demais. E era uma coisa que nunca tinha passado pela minha cabeça”, disse a atriz. Ela garantiu só teve a consciência de olhar o que passa uma pessoa negra depois que teve dois filhos negros.

Isso me faz pensar que aquela história de "o calo só dói quando é no nosso pé" faz muito sentido. Talvez muitas pessoas ainda achem que isso é 'mimimi' porque nunca passaram por isso.Ouvir comentários que “hoje em dia ninguém pode mais chamar o outro de negro que é racismo”, é racismo.

A prova de que o racismo é tão constante na nossa sociedade é o caso de Taynara, que completava 25 anos no dia que ouviu da diretora da escola uma “brincadeira” sobre um chicote e a escravidão.

Tentar justificar que não é racista com comentários racistas me faz perceber que algumas pessoas ainda precisam entender que foram mais de anos de escravidão e medidas institucionais que impediam a mobilidade social dos negros. Ou seja: foram anos de sofrimento de uma população que você julga não ser merecedora das conquistas. Se você acha que racismo é realmente é algo “novo” sugiro que se aprofunde e pesquise mais sobre o assunto.

Se fala tanto em evolução e eu ainda vejo tantos casos de racismo estampado não só nas capas dos jornais, mas saindo da boca das pessoas. E não, não deveria existir essa diferença por causa da cor da pele de alguém.

O que me deixa profundamente feliz é ver que em meio a tantos casos, existe esperança de dias melhores. E sabe quem me provou isso? Os inúmeros estudantes que levantaram placas e bandeiras defendendo a Taynara ontem durante o protesto.

Acredito que os estudantes não a defenderam só por ela ser professora deles, mas porque ela representa educação e a construção de um futuro melhor.

Que aprendamos com eles.

 

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Estou no Instagram: @raissa.franca

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