Especial Quentin Tarantino: "Cães de Aluguel" e a violência estilizada

03/06/2019 09:01 - Resenha100Nota
Por Bruno Omena
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Uma mesa de lanchonete, um punhado de engravatados jogando conversa fora e questionamento sobre o real significado da música "Like a Virgin", da estrela pop Madonna. Assim, de forma despretensiosa, Quentin Tarantino começou a chamar a atenção e sedimentar a carreira como uma dos grandes diretores de Hollywood. Daqueles cujo nome torna-se uma grife.
O filme em questão é "Cães de Aluguel" (1992). Na trama um grupo de criminosos é contratado para roubar uma joalheria, mas no meio do caminho algo dá errado e se inicia a busca pelo traidor dentro do bando.

Mesmo depois de acompanhar os demais filmes de Tarantino, "Cães de Aluguel" continua sendo o meu preferido. 
A verborragia dos diálogos, a química dos personagens e a estilização da violência, que ficaria famosa em sua filmografia, são grandes atrativos do longa. A trilha sonora, sempre escolhida a dedo por Quentin, encaixa perfeitamente em cada frame em que a música se faz presente e embala a cena mais comentada do longa, na qual Mr. Blonde tortura um policial enquanto executa uns passos de dança.

Talvez um dos pontos fortes de "Cães de Aluguel" seja a maneira como Tarantino coloca seus personagens em situações triviais e conversas banais. Ele mostra o lado B dessas pessoas perigosas, que na maior parte do tempo são tão comuns quanto eu ou você. 
Dessas situações nasce o humor politicamente incorreto, gerando risos que normalmente não surgiriam.
Tarantino retira o peso e o drama para dar lugar ao absurdo calculado de sarcasmo e deboche. Com isso, sua violência desperta um certo prazer no espectador, afastando qualquer traço de repulsa ou culpa. Sangue com estilo. 
E estilo é o que não falta na forma do diretor conduzir seu longa de estreia. Desde a abertura, quando os bandidos caminham lentamente, ao som de "Little Green Bag", de George Baker, até os créditos finais, Quentin sabe exatamente onde colocar a câmera para conseguir os melhores planos.
A escolha do elenco também foi precisa. Tim Roth, Michael Madsen, Harvey Keitel, Chris Penn e o maravilhoso Steve Bucemi são os destaques. 
A sequência em que os bandidos se reúnem para escolher seus codinomes baseados em cores é impagável.
"Por que não podemos escolher?"
"Porque ficam todos brigando para ser o Mister Black."

A desconstrução da narrativa convencional foi outro acerto. Nos primeiros minutos já sabemos que o assalto deu errado e que há um traidor no grupo. Dessa forma, Tarantino trabalha nossa expectativa e suspeitas de maneira gradual em flashbacks. Vamos conhecendo como ocorreu o recrutamento do grupo e colhemos mais informações sobre a personalidade de cada.
O galpão onde os criminosos se escondem após o roubo para tirar a limpo o possível delator é um barril de pólvora prestes a explodir e o diretor explora bem essa tensão.

O longa chegou causar discussões sobre o exagero da violência e diálogos preconceituosos do roteiro, mas Tarantino não busca simpatia com personagens tão controversos. Ele busca naturalidade e humanização, segundo as palavras do próprio diretor. Quentin ainda seria acusado de plágio ao emular explicitamente a trama do longa "City on Fire" (1987), porém o diretor praticamente colocou uma pedra na questão com afirmações do tipo: "Grandes artistas roubam...eles não fazem homenagens.".

É até difícil imaginar que "Cães de Aluguel" só ganhou a luz do dia quando o ator Harvey Keitel abraçou o projeto e decidiu atuar e ajudar na captação de recursos. Era o empurrão fundamental que o ex-balconista de videolocadora precisava para arrombar as portas da indústria cinematográfica. 

Após chamar a atenção do público, da mídia especializada e dos estúdios, Quentin assinou contrato para o próximo longa. Uma antologia de três histórias em uma, seguindo os moldes dos contos policiais e de romance, vistos de maneira vulgar pelo seu conteúdo violento e sensacionalista."Pulp Fiction".

A dúvida que surgia a seguir era se o diretor teria a mesma liberdade para romper os padrões de Hollywood.

9.5

*Disponível na Netflix

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