Série "Coisa Mais Linda" é uma bela bossa nova sobre feminismo, empatia e despertar
Rio de Janeiro, década de 50/60. A bossa nova invadia a Cidade Maravilhosa, que respirava música e cantava o amor e a beleza da mulher brasileira.
Entretanto, as mulheres queriam mais do que versos de canções. Na verdade elas queriam....Bem, quem somos nós pra falar o que uma mulher quer? Deixemos que a ótima série "Coisa Mais Linda" (2019) nos diga.
Ambientada no Rio de Vinícius e Tom, a série produzida pela Netflix pode ser considerada um retrato de uma época cujos flashes ainda brilham. A partir das perspectivas de quatro mulheres, conhecemos as dificuldades de se sobressair em um mundo machista, acostumado com o domínio masculino.
Maria Casadevall é a protagonista Maria Luiza, que veio de uma família rica de São Paulo para ajudar a inauguração do restaurante do marido no Rio Janeiro, mas ao chegar na cidade descobre que ele fugiu com a amante, deixando dívidas e a propriedade que serviria de restaurante em pedaços.
Após o baque inicial, Malu é acolhida pela amiga de infância Lígia, casada com um político em ascensão, Thereza, jornalista e cunhada de Lígia, e por Adélia, empregada doméstica do edifício de Malu, que a impediu de colocar fogo no lugar quando descobriu a traição do marido.
Cada uma dessas mulheres tem histórias particulares que o roteiro aborda de forma bem explícita. As dificuldades de abrir um negócio sem contar com a assinatura de um homem, o sonho de cantar na noite sem ser vista com maus olhos pelo marido conservador, as diferenças salariais no ambiente de trabalho e os constantes assédios.
"Coisa Mais Linda" tem uma aura leve, mas um conteúdo forte e até incômodo.
A série me fez pensar, refletir e principalmente exercer a empatia sobre questões que apenas as mulheres podem transmitir com exatidão. Inicialmente me incomodou ver em cena situações tão absurdas e me dar conta que praticamente todos os homens são tratados como machistas, grosseiros, insensíveis, maldosos e bobos. Talvez eu tenha manifestado um tolo instinto de defesa que sinalizava: "Êpa, nem todos os homens são assim. Eu não sou assim!".
Mas a série não estava falando de mim e talvez esse seja mais um pensamento tipicamente masculino de achar que tudo gira em torno de nós. Ela fala de costumes e cultura. Arraigados até naqueles que não se consideram machistas.
Tudo era e ainda é muito real, mesmo diante de tantas conquistas femininas. O incomodo deu lugar a empatia e senti que de alguma forma algo mudou ao ver a série.
Tecnicamente a série não é perfeita. Problemas de edição e montagem faz um personagem surgir em vários lugares com tamanha rapidez que o Rio de Janeiro parece um pequeno bairro.
Algumas alegorias também são desnecessárias e pouco acrescentam, como as referências a Iemanjá.
O roteiro por vezes é demasiadamente expositivo, e acaba caindo em alguns clichês e conveniências que podem incomodar. Como por exemplo, o medo do cantor Chico (Leandro Lima) de subir no palco repentinamente curado sem qualquer sinal de ansiedade ou nervosismo. Este personagem, aliás é sempre visto segurando um violão como se o público precisasse ser lembrado frequentemente de sua paixão pela música.
Mas, voltando a falar dos pontos fortes, o elenco está sensacional. Casadevall segura uma protagonista em processo de amadurecimento. Sentimos seu choro e deixamos a porta aberta para ver seu sorriso preencher a sala. Mel Lisboa é a segurança em pessoa e sua personagem é de se ouvir a noite inteira. Fernanda Vasconcellos entrega uma interpretação a flor da pele. Real, viva e apaixonada. Pathy Dejesus tem um plot próprio e uma cena em especial na praia sobre paternidade e responsabilidades me emocionou.
No núcleo masculino, não posso deixar de destacar a interpretação impagável de Gustavo Machado, que dá vida a uma versão do velho Lobo Ronaldo Bôscoli, já interpretado por ele na cinebiografia da cantora Elis Regina. O ator está perfeito transitando entre o cafajeste gente boa e o sedutor de língua afiada. Suas cenas estão entre as melhores.
Confesso que encerramento da temporada me decepcionou um pouco. A cena final ficou com cara de gancho de novela das nove e foi um pequeno banho de água fria diante de um episódio de alto nível até então. De fato, não chega a comprometer o resultado, sendo apenas uma nota desafinada que tirou alguns décimos de pontos do concerto.
Mais que amor, "Coisa Mais Linda" é canção de despertar.
9.0
*Disponível na Netflix
*Instagram para contato: resenha100nota
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