Reproduzindo a entrevista do jormalista, Péricles Carvalho, da PUC Notícias.
A PUC Goiás recebe hoje, 25, e amanhã o VII Ciclo Nacional de Conversas Negras, que reúne diferentes entidades e tem parceria com o Programa de Estudos e Extensão Afro-brasileiro (Proafro) da universidade. O evento aborda o tema Agosto negro ou o Que a História Oficial Não Conta, com o objetivo de promover diálogos sobre o racismo e suas consequências sociais.
Como parte da ampla programação, ocorrem apresentações culturais, rodas de conversas, mesas afro-redondas e oficinas. No sábado, 27, haverá uma visita ao quilombo urbano no Jardim Cascata, em Aparecida de Goiânia. O ciclo é realizado por meio de uma parceria entre o Instituto Raízes de África, a Associação de Negros de Goiás (ANEGO) e o Fórum de Entidades Negras (FENEGO). Confira aqui a programação completa.
A conferência maior realizada na manhã desta quinta-feira discutiu memórias da escravidão e escravismo contemporâneo. Participaram do debate a profa. da PUC Goiás, Janira Sodré Miranda, e a coordenadora do movimento Raízes de Áfricas, de Alagoas, profa. Arísia Barros.
Confira abaixo entrevista realizada com Arísia sobre o movimento negro e os desafios da luta contra o racismo no Brasil.
PUC Notícias: Qual é o objetivo do 7º Ciclo Nacional de Conversas Negras?
Arísia Barros : Na verdade, é como eu digo, cada vez que o ciclo caminha ele vai estabelecendo novas possibilidades de discussão, agregando pessoas, agregando valores. O ciclo tem isso, cria essa base para estabelecer o diálogo, porque muitas pessoas às vezes nem se percebem racistas, porque o racismo está tão internalizado e tão natural, que ela não percebe. A partir do momento em que você se escuta, por que ás vezes a gente não se escuta, dá pra ver quais são os caminhos de redimensionar aquele processo. O ciclo quer isso, provocar a gente, provocar pessoas, provocar aquela coisa que você não quer – não eu não sou racista, eu tenho até um amigo negro – não é essa a história? Como trabalhar estas questões, o ciclo vem pra isso.
Cada edição do ciclo é realizada em um lugar diferente do país?
Já estivemos em Belém do Pará, já estivemos em São Paulo, estivemos ano passado no Senado Federal em Brasília, em Minas Gerais, os dois primeiros aconteceram em Alagoas. É como ver o universo, porque o racismo é um universo, e em cada lugar ele acontece de uma forma diferenciada. O racismo no Rio Grande do Sul não é o mesmo que acontece em Goiás, não é o mesmo que acontece em Alagoas. A grande questão é como trabalhar estas diferenças. Em cada ciclo, nós escrevemos uma carta base. Em Alagoas, por exemplo, nós levamos o documento para os gestores, para que eles permitam – que ás vezes é isso – eles permitam essa construção de espaço para que a politica pública seja concretizada.
O que signfica o termo agosto negro que é o tema do evento?
Isso foi um movimento que aconteceu nos Estados Unidos [na década de 1970] quando negros e brancos se rebelaram contra a opressão. Na época eles fizeram um grande movimento, chamado de Agosto Negro. Aconteceu no Brasil, em São Paulo, no Rio de Janeiro, mas não tinha em Alagoas e em outras partes do país – isso nos motivou a levar essa ideia e caminhar com o ciclo em todo o Brasil.
Um dos temas abordados no Ciclo é “Memórias da escravidão e o escravismo contemporâneo”. O que é escravismo contemporâneo?
Na verdade a gente tem um racismo internalizado, e esse racismo é geracional. Quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea – na verdade ela foi pressionada – não existia mais ‘ os escravizados’. Essa demanda, e essa imagem da princesa Isabel, da grande princesa que foi lá, benevolente e salvou o negro vive até hoje. É uma forma de escravizar, de minimizar a luta dos abolicionistas, porque a Lei Áurea só surgiu porque haviam homens e mulheres lutando pelo processo e a grande maioria era negro. Isso a história não conta e ai surge o escravismo de ideias. O escravismo contemporâneo ocorre quando mata-se jovens negros, aceita-se isso e não há medidas contra isso. Esse escravismo de achar que o pobre negro deve ficar na favela.
Como é possível promover uma mudança?
Educação. A lei 10.639 [ que institui o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil] estabeleceu que todas as escolas devem trabalhar a história negra. Muitas vezes, o que sobressai é a discussão sobre cotas, mas é preciso abrir e olhar a questão racial. O racismo ocorre devido a uma falta de conhecimento. Sabem que quando o negro conhecer sua história vai ter alto-estima, vai olhar pra si mesmo de modo diferente. Estou em Minas Gerais para ser homenageada no 3º Destaque Mulher Negra.