Corra daí, Manoel: Rasgue sua CLT

20/06/2016 12:46 - Expedito Lima
Por Expedito Lima

Qualquer leitor da Bíblia terá trabalho para interpretá-la. De fato, Manoel, o Texto Sagrado não é o que se pode chamar exatamente de simples. Consumi-lo exige, por exemplo, dentre outros, um grande esforço de sistematização. Sim, de sistematização. Que os Livros não são caóticos, não senhor. Lucas, por exemplo, há de ser lido bem pertinho de João; João, de Mateus; e daí por diante. Todos eles, afinal, estão inspirados na mesma Pessoa, e não na inteligência de um ou outro apóstolo isoladamente.

Mais dura a tarefa, muito mais, se o exegeta for um relapso, inepto de segunda época em curso de catecismo – feito eu. A dificuldade na Revelação será infinitamente maior. Que não se alcança o segredo de um cofre senão tendo intimidade com o dito antes que sejamos cujos, se é que me entende.

Mesmo sabendo disso tudo, lá vou eu, de maçarico em punho, tentar abrir o pesado para você!

Consta que Jesus peregrinou quarenta dias pelo deserto, tempo suficiente para que o demônio pudesse tentá-lo. Não sei por que o Filho de Deus desatou-se a caminhar pelo meio do nada, nem mesmo sei de que outras artimanhas o capiroto se valeu para provocá-lo. Sabemos – eu, você e toda humanidade – é que não funcionou. Isso se deduz até mesmo pela notoriedade do fim da história. O Homem eternizou-se como o Santo dos santos, não foi? Certo que não iria fracassar diante da primeira sirigaita.

Tome a palavra sirigaita em sentido metafórico. Não tem nada a ver com sua nova colega de trabalho, Mané. Eu juro! Sei que é estranho, mas, falando sobre tentação, nenhum outro exemplo mais ilustrativo me ocorre. Bebi do velho por esses dias, aí ando cheio de ideia sobre como a vida da gente, não podendo ser, desgraçadamente acaba sendo. É só isso. Vá perdoando. Vamos voltar à nossa prosa.

A pergunta é a seguinte: o que aquela passagem bíblica quer dizer? Suponho que queira muita coisa.

Conheço um cidadão de Maceió que, rememorando o trecho, sempre me assegura a redundante necessidade de o bom cristão resistir às tentações. Outro, de Recife, me diz que foge delas, mas bem devagarinho, como quem anda pelo deserto em tempo de ser apanhado por uma caravana cheia de beldades sedentas. São dois tolos: o primeiro, por se limitar à literalidade do Texto, não explicando como danado alguém foge daquilo que, feito imã exibido do lado certo, só lhe faz atrair; o segundo, por interpretar negando que as balizas do hermeneuta - talvez únicas, certamente insuperáveis - são o texto e seu contexto, não se podendo, a pretexto de querer revelá-los, desdizê-los.

Está pronto? Pois, conhecendo a humanidade dos outros, arrisco, então, minha primeira glosa interpretativa: não confie na santidade de quem ainda não foi testado. Santo, santo mesmo, só depois da caminhada no deserto. Antes disso, com o cidadão sentadinho no conforto da própria tenda, degustando umas uvinhas suculentas, ninguém merece o título. Se até Jesus passou pela prova - e só depois a honraria lhe veio -, com você é que a coisa não seria diferente. Estou certo? Amém!

Agora a parte mais dramática, extraída de minha própria humanidade rodrigueana, como costela que nossa amizade permite: não se submeta a tentações por mais de quarenta dias. É fria. Quem aguenta isso? Nem Jesus arriscou! Por que raios você acha que iria conseguir evitar o dano cujo risco que Ele sequer quis correr? Repare bem direitinho. O Homem ficou 40 dias sob prova, e não 41 ou 42, muito menos 43. Que toda carne tem seu limite! A resistência do cidadão tem. Vá por mim. Tem, sim senhor!

O cofre é pesado, visse amigo?! Agora, pesada, pesada mesmo, é a tal da tentação. Cruz-credo! Melhor não ter com ela. Esqueça essa coisa maluca de querer ser testado. Mas, se isso for inevitável, muito inevitável, muito inevitável mesmo, fuja antes de finda a quarentena. Mude de emprego. Rasgue sua CLT. Assine o bolsa-família. Corra daí. Vá a pé ou de camelo, tanto faz. O importante é não ficar parado na tempestade. O guarda-chuva só resolve a chuva, não o raio. Entende, homem de ferro? Bom!

E, ó, nem precisa me agradecer. Depois eu lhe mando meu endereço, peregrino, para seu panetonezinho de Natal. Receba um abraço deste seu amigo autônomo e, felizmente, desempregado.

    

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