O Ministério Público Estadual (MPE/AL) abriu um inquérito civil público para apurar as denúncias de torturas e maus tratos dentro das Unidades de Internação para crianças e adolescentes em Alagoas, que foram publicadas em janeiro deste ano pelo CadaMinuto Press. Na edição de número 116, a reportagem exclusiva expôs relatos de mães dos internos sobre a má conduta dos monitores em suas atividades.
Ameaçadas, as mães receberam o apoio do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Zumbi dos Palmares (Cedeca), que formulou a denúncia junto ao Ministério Público de Alagoas, Defensoria Pública e a Secretaria Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), vinculado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Em seu despacho, o promotor Humberto Pimentel Costa, da 12ª Promotoria de Justiça da Capital - Sistema Socioeducativo, explica que a abertura do procedimento investigativo tem como finalidade apurar a legalidade da existência e do funcionamento Grupo de Operações da Assistência Socioeducativa (Goase), a suposta prática de atos de improbidade administrativa por parte dos agentes do Sistema Socioeducativo e do Goase.
As mães de socioeducandos relataram que, constantemente, os adolescentes eram espancados dentro da unidade.
Conforme o documento despachado pelo MP, foram noticiadas de agressões, tais como: “golpes de cassetete, murros e chutes”, “ferimento em um dos calcanhares produzido por um dos agentes socioeducativos mediante o emprego de uma faca”, “ameaças de morte”, “tapas e chutes”, “espancamento de adolescentes por integrantes do Goase”, “queimadura no rosto de adolescente, com cigarro, por integrante do Goase”, “presença e provocações de integrantes do Goase, com armas de fogo, no interior de alojamentos”, “adolescente obrigado a passar por um corredor formado por 27 integrantes do Goase, apanhando de todos eles”, “tentativa de um dos integrantes do Goase de introduzir um cassetete nas partes íntimas de um adolescente”, “colocação de adolescente em unidade interditada, para apanhar”, “ofensas injustas aplicadas por integrantes do Goase”, “integrantes do Goase que espancam os adolescentes, pisam em sua comida e falam grosseiramente com os socioeducandos”, “dente quebrado e nariz sangrando”, “hematomas produzidos por mascarados do Goase”, “um agente do Goase usava pistola de choque, outro desferia socos e outro escolhia um adolescente para apanhar de cassetete”, etc.
“Ao considerar os reiterados relatos de abusos perpetrados por agentes do Goase, conclui-se, no mínimo, que em sua maioria são pessoas despreparadas para a função. A partir desse fio, a despeito da presunção relativa de legalidade e legitimidade dos órgãos e atos da administração pública, surge a necessidade de saber se o Goase possui existência e funcionamento compatíveis com o ordenamento jurídico”, ponderou o promotor em suas considerações.
De acordo com Humberto Pimentel, foi remetido o requerimento de apuração das denúncias, feitos pela Defensoria Pública do Estado de Alagoas, à 59ª Promotoria de Justiça da Capital, uma vez que a mesma possui a atribuição de atuar nos casos de crimes contra crianças e adolescentes.
“Desse modo, possibilita-se que o órgão legítimo realize suas próprias investigações, ofereça denúncia diretamente, requisite inquéritos policiais e, posteriormente, seja o destinatário dos inquéritos instaurados e atue judicialmente diante do juízo competente”, completou em sua decisão.
Denúncia repercutiu em órgão internacional, mas Estado segue negligente
Pioneiro na implantação nacional do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, o Estado de Alagoas perdeu espaço e abriu brechas para que casos de torturas ocorram em suas unidades sem que haja a devida prevenção. Tal situação de vulnerabilidade segue até hoje.
Desde o início do Governo Estadual, em 2015, o fortalecimento do Comitê foi desativado. A ausência do funcionamento do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura foi avaliada como negligência praticada por parte do governo do estado pela Associação para a Prevenção da Tortura (APT), uma organização internacional de Direitos Humanos, que atua juntamente com Organização das Nações Unidas (ONU).
No início do ano, Sylvia Dias, diretora da APT na América Latina, ressaltou a preocupação da organização com a ausência do fortalecimento dos mecanismos de prevenção dentro das unidades prisionais do Estado.
Para ela, a gestão estadual acaba tornando-se omissa, totalmente, com a suas responsabilidades de prevenção aos maus-tratos e torturas dentro dos ambientes de privação de liberdade. A APT trabalha mundialmente para prevenir a tortura e outros maus-tratos, promovendo visitas de monitoramento preventivas.
O estado de Alagoas foi pioneiro no país a efetivar o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, através da Lei 7.141/2009, no entanto, na prática não estabeleceu uma continuidade em suas ações.
Diante da posição do Ministério Público, o advogado Pedro Montenegro confirmou para reportagem do CadaMinuto Press que o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Zumbi dos Palmares (CEDECA/AL) vai encaminhar ofício ao promotor responsável pelo inquérito civil, comunicando o desejo de acompanhar o procedimento.
A reportagem entrou em contato com o Governo do Estado para que ele comentasse a iniciativa do MP e para explicar por que o Comitê e o Mecanismo de combate à tortura seguem desativados em Alagoas.
Provocada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Prevenção à violência (Seprev) informou que ainda não foi comunicada oficialmente sobre a abertura do inquérito civil público através do Ministério Público. A pasta informou que tem aberto procedimentos administrativos para apurar as denúncias apresentadas e conduzindo o servidor para o afastamento das atividades até a conclusão da apuração.
Como resultado da primeira denúncia divulgada pelo CadaMinuto Press, a Seprev desativou a Unidade de Internação Masculina, localizada na Avenida Durval Góes Monteiro. Além disso, três agentes socioeducativos foram desligados da função.
A Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos não respondeu sobre a falta de funcionamento do comitê e do mecanismo de combate à tortura em Alagoas, até o fechamento desta edição.
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