Era uma vez um lugar repleto de belezas naturais, mas que possuía problemas graves e era considerado um dos mais violentos do seu país, a educação lutava contra índices negativos e sua população vivia desacreditada. Mesmo em meio a tanta incerteza, um grupo de estudantes e profissionais da área da ciência e tecnologia acreditava que suas ideias poderiam fazer a diferença na vida das pessoas e apostaram no seu desenvolvimento. Aos poucos, as duras e pesadas portas das oportunidades foram se abrindo e as ideias viraram negócios, reconhecidos no mundo todo.

A estória não tem nada de ficção e é uma realidade em Alagoas nos últimos anos, quando houve uma dinamização da Ciência, Tecnologia e Informação (CTI). Várias empresas e startups foram criadas e começam a ser apontadas como referência em seus segmentos, o que deu condições para as produções alagoanas despertarem o interesse de gigantes da tecnologia mundial.

O sucesso de empresas e projetos como o Hand Talk, TraktoPro, CrowdiMobi, Doity, Meu Tutor, Stant, entre outras tantas genuinamente alagoanas mostram que a excelência dos produtos e aplicativos desenvolvidos por aqui poderiam ser tão bons quanto qualquer um produzido em qualquer parte do mundo. A prova disso é a quantidade de profissionais da área da informática e tecnologia de Alagoas que conseguiram romper barreiras e se desatacar em grandes empresas mundiais.

A união em torno do desenvolvimento também vem sendo consolidado com a formação de um coletivo chamado Sururu Valley. O propósito tem sido descobrir onde está a tecnologia produzida em Alagoas e encontrar formas para que ela seja desenvolvida e conhecida. O nome faz alusão ao Vale do Silício (Silicon Valley), que fica na Califórnia, nos Estados Unidos, e abriga um conjunto de empresas que desde 1950 vem gerando inovações científicas e tecnológicas. Google, Apple Inc., Facebook, Intel, Pay Pal e Yahoo são algumas das empresas que tiveram sua origem e ainda abrigam escritórios na região.

O ‘Valley’ alagoano ganhou um maior destaque há pouco tempo, em meados de 2012, quando empreendedores, estudantes e empresários se juntaram e começaram a desenhar uma nova perspectiva de economia criativa. Porém muitas das ideias que deram origem a empresas mundialmente conhecidas demoraram anos, entre erros, acertos e muita força de vontade até dar certo.

Muitas ideias brotam, passam um tempo engavetada e começam a despertar aos poucos até chegar ao patamar desejado. Não é tão fácil tirar do papel um projeto, investir ao ponto de ele conseguir retornar lucro financeiro e se tornar um produto competitivo. A história de vários empreendimentos começa dessa mesma forma e exige muita dedicação dos envolvidos e em Alagoas a dinâmica não é diferente.

Do projeto para uma disciplina da faculdade até o aplicativo considerado um dos melhores do mundo pela ONU, Carlos Wanderlan demorou pelo menos 09 anos junto com seu sócio para construir e colocar no mercado o Hand Talk.

“Apresentamos a ideia como trabalho de uma disciplina na faculdade e após isso a ideia ficou guardada. Em 2012, eu fui fazer um curso em BH [Belo Horizonte] para desenvolvimento para dispositivos móveis e como eu já trabalhava em parceria com o Ronaldo em alguns projetos, quando retornei eu comentei com ele que precisávamos realizar projetos para esses aplicativos, foi quando ele retirou da gaveta a ideia, ainda no início, e começamos a trabalhar nisso para validar e ver a possibilidade real de transformar aquilo em produto de fato. Nesse período conhecemos Thadeu Luz, que completa o time de co-fundadores da Hand Talk. Durante o período de pesquisas e levantamento de dados sobre a problemática, tivemos a real noção da importância do que estávamos construindo para a vida das pessoas”, conta Carlos.

De 2012 pra cá, Hugo, o intérprete do aplicativo, se tornou o grande embaixador da ferramenta que faz a tradução digital e automática da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em sites que compraram a tecnologia, em empresas e também por meio de um aplicativo para smartphones.

“Diariamente nós recebemos histórias de pessoas que utilizam os produtos da Hand Talk, e o quanto a empresa têm impactado na vida dessas pessoas. A cada dia que passa, com a expansão de nossas ações no Brasil, isso tem aumentado de forma significativa. É o melhor retorno que nós podemos ter. Compartilhamos constantemente isso com nossa equipe, para mostrar o quanto o trabalho que estão realizando é importante. Trabalhar em um negócio social é um dos maiores prazeres que desejo a alguém. Entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, escolhemos ficar com os dois”, brinca.

Veja no CadaMinuto Press a entrevista completa com Carlos Wanderlan

“No mercado, não se encontram “anjos voando e fazendo milagres” por aí”. De fato não é todo dia que vemos anjos ou outras criaturas circulando entre as pessoas. Mas existem investidores denominados “anjos”, que apoiam negócios em estágio inicial, dando todo o suporte para que o projeto possa caminhar com as próprias pernas. João Kepler é uma dessas figuras conhecida no mercado brasileiro como anjo-investidor e que aposta em ideias capazes de solucionar problemas.

Ele acompanha o processo de desenvolvimento de vários projetos aqui no estado. Kepler diz que depois de longos anos de Síndrome do Caranguejo Alagoano - que faz analogia ao folclore onde caranguejos em um cesto não conseguem escapar porque seus pares o puxam pra baixo – o sentimento deu lugar ao pensamento de que é possível fazer de Alagoas um celeiro de boas ideias e inovadoras. “Isso além de ser motivo de orgulho, é o combustível para continuar apoiando e apostando nos empreendedores do estado e fomentando o ecossistema Empreendedor Alagoano”, afirma.

E não é a toa que todo o movimento produzido pelo setor seja motivo de orgulho. Recentemente, MSLGROUP Espalhe, uma rede global especialista em comunicação estratégica, divulgou o interesse de abrir um escritório em Maceió visando o desenvolvimento da CTI no estado. Assim também ocorreu a algum tempo quando a Blackberry iniciou um centro na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o primeiro da América Latina.

Para uma atualidade onde grandes empresas de vários segmentos já pensam em abrir filiais e escritórios em Alagoas apostando no potencial dos profissionais locais, o processo de incentivo da iniciativa privada, da academia e do governo são fundamentais para que haja a consolidação desse ecossistema, como defende o empreendedor.

“Muitos vão desembarcar por aqui de olho nesta oportunidade, o que me preocupa na outra ponta, é o inverso, esses profissionais irem embora por falta de apoio local. Só para lembrar, até alguns anos atrás, Alagoas sofria de um êxodo tecnológico. Em relação aos investidores Anjo, sim, desde que começamos a fazer o Demo Day (dia de demonstração) os investimentos em Startups Locais começaram, como foi o caso da Hand Talk, do CrowdMobi, do Doity, da Esmalteria, do Piggo, do Stant, do TraktoPRO e de tantos outros. Não somente com investidores locais que entenderam a oportunidade, como também de fora. Hoje várias startups locais, recebem aportes e apoios também de aceleradoras, subvenções e prêmios”, afirma.

Assim também aconteceu com Paulo Tenório. Ao lado do amigo Jorge, que anos mais tarde viraria sócio, teve a ideia para ajudar as pessoas a venderem melhor seus produtos e serviços. Ela começou a ser estudada no apartamento de Paulo. Foram necessários alguns anos de estudo, viagens para cursos, uma temporada morando nos Estados Unidos e de investimento para que o que era apenas uma ideia se tornasse uma empresa que consegue se bancar, empregar pessoas e vender seu produto pelo mundo.

A TraktoPRO é conhecida pela excelência em apresentar um aplicativo que permite que profissionais saibam o quanto cobrar pelo serviço, além de também montar orçamentos inteligentes. Ela já ganhou alguns prêmios locais e nacionais, que só reforçam a força que o negócio ganhou.

Veja a entrevista com Paulo Tenório:

O empreendedorismo no campo da CTI cresceu em Alagoas e é também acompanhado pelo Sebrae. Segundo Áurea Andrade, gerente adjunta da unidade de comércio e serviços, houve um aumento de empresas jovens e inovadoras que procuram desenvolver um modelo de negócio que possa ser produzido em escala em Alagoas. Porém, a maioria dessas startups ainda são informais.

“A maioria dessas startups só abre um MEI (Micro Empreendedor Individual) quando já possuem um produto. No Sebrae nós temos um projeto voltado para esse nicho que capacita e oferece consultorias para dar condições que elas possam se desenvolver. Como geralmente esses empreendedores são jovens, eles são muito bons com a parte técnica, mas não tem muita experiência com a gestão. Então assim como uma empresa maior, eles terão que lidar com todo o processo de gestão e gerência e é nessa hora que ajudamos”, explica.

Como esse novo ecossistema tem mostrado sinais de que está pujante e com grandes chances de ser uma alternativa viável para a economia do estado, Áurea diz que o grande trabalho do Sebrae é mostrar aos jovens empreendedores a necessidade de produzir produtos que mostrem soluções, mas que também estejam sempre atualizados com o que o mercado pede. “Temos consultores, parceiros locais e nacionais, empresas aceleradoras que podem dar o suporte para que as ideias que ainda estão em fase de construção tenham capacidade de crescer. É importante lembrar também que muitas empresas ficam de olho nessas produções de startups para poder contratar seus serviços. Os governos vêm lançando muitos editais para empresas de ciência e tecnologia, então tem tudo para dar certo”, completa.

Um dos principais alertas que empreendedores, pesquisadores e investidores fazem é para a necessidade de haver investimento do poder público nas iniciativas voltadas para o setor da ciência e tecnologia, a fim de fortalecer a cadeia e evitar que mais uma vez as portas se fechem e obriguem as empresas e profissionais a buscarem novos ares fora do estado para suas ideias.

A alavancada orquestrada pelos empreendedores alagoanos vem chamando a atenção da Secretaria Estadual de Tecnologia e Inovação (Secti). De acordo com o secretário da pasta, Pablo Viana, o Executivo Estadual vê nas iniciativas e empresas formadas nos últimos anos por alagoanos uma alternativa estratégica para dar um novo rumo na economia do estado.

“Em tempos em que falamos muito em economia em retração, fala-se muito em esgotamento de opções econômicas e a ciência e tecnologia vêm como alternativa para oxigenar essas cadeias produtivas. Então isso passa por diversos setores, desde as startups, como também no interior com os polos alimentares, que são polos produtivos, mas também exigem a aplicação de conhecimento adquirido na academia para que gere inovação e com isso buscar competitividade. É essa competitividade que vai nos dar esperança e expectativas de crescimento”, afirmou.

Viana disse que um dos projetos do governo é concluir o Pólo Tecnológico no bairro do Jaraguá e quando pronto ele funcione como um núcleo capaz de abrigar startups, multinacionais, produtores independentes e estudantes. As obras ainda não tem prazo para conclusão devido ao valor elevado de sua estrutura. Em paralelo, o secretário disse que a pasta vem dando prosseguimento ao projeto Alagoas 100% Digital, que vem tentando interligar pastas e levar tecnologia para os setores e a população.

“No projeto estratégico, que aí também está ligado ao polo, é um projeto que estamos chamando de Alagoas 100% Digital, para fazer com que o Estado assuma sua posição dentro do século 21, para começar a utilizar tecnologias modernas de informática pra que não apenas o gestor que está à frente do governo do estado possa se utilizar desses recursos para ter uma visão mais transparente do estado, saber como esses recursos são gastos, facilidade, agilidade no lidar com a máquina pública, como também a sociedade, que passe a experimentar serviços públicos de melhor qualidade. É uma ação para que o estado passe a adquirir tecnologia feita em Alagoas. Isso reforça o papel do polo tecnológico, estimula e fortalece a nossa cadeia produtiva e ainda alivia os cofres públicos, que passa a investir o dinheiro público dentro do estado”, explica.

Pensar que o ecossistema da ciência, tecnologia e informação em Alagoas já consegue render bons frutos e que há um futuro promissor pela frente só fará sentido e terá continuidade se ações de incentivo para estudantes tenham condições de desenvolver suas ideias e ações. Caso contrário, a bonita história não terá o desfecho ideal.

Para Pablo Viana, o governo plantou a semente e tentará vencer sérios problemas estruturais e déficits educacionais propagando o modelo de escola integral. Uma unidade foi inaugurada no Benedito Bentes e conta com laboratórios de informática e de robótica, conexão com a internet e condições para que professores também possam desenvolver seu trabalho. Em tempos onde os ambientes e as pessoas vivem conectadas por meio de tecnologia, pensar que tais recursos ainda não são disponibilizados a estudantes pode ser considerado um atraso.

“Se esse modelo caracteriza como sucesso, nós queremos implantar. Isso é um assunto da pasta da secretaria de educação, mas temos essas informações porque a integração com a secretaria é muito intensa. Então o secretário inter-relaciona muito com a gente. Projetos acabam perpassando por outras pastas. No âmbito da secretaria de Ciência e Tecnologia, buscamos oferecer a estrutura e as aplicações necessárias para reverter nossos quadros em diversos setores, não apenas na educação, mas na saúde, na segurança e comece a utilizar os recursos tecnológicos e o cidadão comece a perceber que o estado está passando por esse processo de modernização”, completou Viana. 

Pode ser que num futuro próximo possamos ver mais ideias brotando dos corredores de escolas estaduais. João Kepler é mais incisivo e diz que o modelo educacional precisa passar por uma reformulação para despertar logo cedo o empreendedorismo nas crianças e adolescentes e que se torne uma prática.

“A educação curricular precisa mudar, os jovens precisam formar a sua própria opinião sobre tudo e não somente a opinião do professor. Para isso é preciso aprender a olhar por outras perspectivas, conhecer sua identidade, fazer reflexão e claro, muitas perguntas. Com o resultado disso, conhecer o Empreendedorismo é essencial para serem protagonistas dos próprios destinos”, analisa.