Lava Jato: ex-ministro questiona validade de delações

07/04/2015 10:40 - Voney Malta
Por Voney Malta

O mundo jurídico brasileiro está em polvorosa com a operação Lava Jato. Com exceção dos juízes e procuradores envolvidos diretamente no caso, são muitas as vozes de advogados e juristas questionando tempo de prisões e os acordos de delação premiada.

Agora é a vez do ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de justiça), Gilson Dipp, que questiona o acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef, que em 2003 não cumpriu um outro pacto, portanto, ao omitir o nome do deputado federal e seu principal cliente, José Janene, morto em 2010, e réu no Mensalão, perde a credibilidade.

Pois bem, o ex-ministro do STJ assina um parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal que busca anular a delação premiada do doleiro e todas as provas produzidas a partir dos seus depoimentos. A base jurídica desse parecer está no ato anterior do doleiro. Ou seja, “quando um delator quebra as regras do acordo, o Estado não pode confiar nele de novo, a ponto de aceitar uma nova colaboração”.

Dipp foi o idealizador das varas especializadas em lavagem de dinheiro, ex-corregedor do CNJ e autor do livro A Delação ou Colaboração Premiada - Uma análise do instituto pela interpretação da lei. Claro que o parecer dele foi feito a pedido de empresários envolvidos e para tanto foi remunerado - escritório Oliveira Lima, Hungria, Dallacqua e Furrier Advogados, que defende executivos da Galvão Engenharia.

É que em 2003 Youssef prometeu deixar, em sua primeira delação premiada, atividades criminosas, no caso Banestado. O acordo foi considerado quebrado pelo próprio juiz Sérgio Moro – o mesmo da Lava Jato. No entanto, foi dada ao doleiro uma segunda chance.

Para Gilson Dipp, o artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) diz que o perfil do delator é um dos critérios que precisam ser levados em conta, portanto, o colaborador não preenche esses requisitos.

Muita gente vai ficar raivosa com tal parecer. Outras vão soltar fogos. Mas, para ambos os lados, essa é a democracia real, o direito de defesa, o direito ao contraditório.

Leia abaixo reportagem publicada no Consultor Jurídico:

Delação de Youssef é inválida, afirma ex-ministro Gilson Dipp

Por Felipe Luchete

Um parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal busca anular a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos protagonistas da operação “lava jato”, e todas as provas produzidas a partir dos seus depoimentos. Quem assina é o ministro aposentado Gilson Dipp, que deixou em 2014 sua cadeira no Superior Tribunal de Justiça. Ele avalia que, quando um delator quebra as regras do acordo, como Youssef já fez uma vez, o Estado não pode confiar nele de novo, a ponto de aceitar uma nova colaboração.

O documento enviado ao STF chama a atenção por ter sido elaborado pelo idealizador das varas especializadas em lavagem de dinheiro no país. Ex-corregedor nacional de Justiça, Dipp presidiu uma comissão de juristas montada no Senado para elaborar anteprojeto de reforma do Código Penal e é autor do livro A Delação ou Colaboração Premiada - Uma análise do instituto pela interpretação da lei (Editora IDP). 

O ministro aposentado escreveu o parecer a pedido do escritório Oliveira Lima, Hungria, Dallacqua e Furrier Advogados, que defende executivos da Galvão Engenharia.

Ele aponta que, em 2003, Youssef prometeu deixar atividades criminosas quando assinou sua primeira delação, no chamado caso Banestado. No ano passado, o juiz federal Sergio Fernando Moro considerou quebrado o acordo, pois o Ministério Público Federal disse que o doleiro continuava atuando na evasão de divisas e lavando dinheiro. Mesmo assim, sete dias depois, o próprio MPF deu uma segunda chance a Youssef, para receber informações sobre a “lava jato”.

Dipp diz que os procuradores da República foram omissos ao ignorar o episódio no documento que oficializou a segunda oportunidade. “Não há, sequer, uma menção à quebra do acordo pela prática de crime posterior.” A informação é importante porque o perfil do delator é um dos critérios que precisam ser levados em conta para a concessão do benefício, conforme o artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013).

“Resta evidenciado que o colaborador não preenche esse requisito, deduzido da própria sentença que o condena, que aferiu negativamente sua personalidade e antecedentes criminais”, afirma o parecer. “A lei deu como pressuposto lógico a sinceridade da intenção das partes de comprometerem-se com os limites da colaboração sem reservas. Principalmente porque a instituição desse mecanismo processual tem enorme repercussão (...) sobre o regime de execução penal e terceiros interessados e/ou atingidos pelo acordo.”

O ministro reconhece que a Lei das Organizações Criminosas não proíbe a segunda chance. Mas defende que outras normas com “parentesco” entre si impõem limites: a Lei Anticorrupção (12.846/2013), voltada para pessoas jurídicas, fixa que novos acordos de leniência só podem ser feitos num intervalo de três anos, mesmo prazo estabelecido pela Lei do Cade (12.529/2011). “A contemporaneidade das leis é evidente. E, assim, a inspiração legislativa não poderia ser diferente quanto à implementação da sanção ao acordante infiel”, diz.

Youssef já havia virado delator em 2003, no caso Banestado, mas descumpriu o acordo.

Dipp conclui que a segunda delação premiada “mostra-se imprestável por ausência de requisito objetivo — a credibilidade do colaborador — e requisito formal — omissão de informações importantes no termo do acordo”, tornando “imprestáveis” todos os atos e provas que vieram a partir do que declarou Youssef.  

Despacho ilegal
O acordo mais recente com o doleiro foi homologado em dezembro pelo ministro Teori Zavascki, do STF. Com base no parecer, a defesa do executivo Erton Medeiros Fonseca, diretor da Galvão Engenharia, quer agora que o despacho seja considerado ilegal. “Evidentemente, a homologação do acordo ofendeu o princípio constitucional do devido processo legal e produziu prova ilícita”, alegam os advogados José Luis Oliveira Lima, Jaqueline Furrier, Rodrigo Dall’Acqua e Camila Torres Cesar.

A tese é defendida em pedido de Habeas Corpus apresentado ao presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski. Embora a corte costume rejeitar HCs contra ato de seus próprios membros, os advogados alegam que o Plenário nunca debateu o tema tendo como pano de fundo os autos envolvendo o reconhecimento de uma delação premiada. Também solicitam decisão liminar para a liberdade do cliente.

A defesa questiona ainda termos do acordo que liberaram o uso de bens a familiares de Alberto Youssef, como um imóvel para sua ex-mulher. Os advogados dizem que a medida é ilegal, já que o MPF relaciona o patrimônio do doleiro a desvios na Petrobras e nenhuma lei permite esse tipo de benefício patrimonial.

Erton Medeiros Fonseca está preso em caráter preventivo desde novembro de 2014, quando a “lava jato” teve como alvo representantes de grandes empreiteiras. Ele foi acusado de integrar um “clube” de empresas que fraudaria contratos da Petrobras. De acordo com a defesa, a denúncia baseia-se apenas nas palavras de delatores, como Youssef.  

 

 

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