Transtornos mentais elevam casos de licença de educadores das escolas públicas de Maceió

23/03/2015 06:29 - Saúde
Por Vanessa Siqueira
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Ser o elo entre pessoas e várias áreas de conhecimento pode ser considerado um dom, que exige cada vez mais profissionais polivalentes para dar conta da demanda gerada em um ambiente escolar. Nesse contexto, o número de profissionais que desenvolvem doenças em decorrência do trabalho vem aumentando paulatinamente. Em Maceió a realidade não é diferente e levantamentos apontam que há vários profissionais da rede pública municipal que estão afastados de suas funções principalmente por conta de transtornos mentais e de comportamento.

Entre a lista de doenças que figuram como mais frequentes entre professores e outros profissionais que atuam nas escolas da capital estão depressão, Síndrome de Burnout, ansiedade, bursite, desvios na coluna, rinite alérgica, asma e até infarto.

A secretária escolar Sandra Maria da Silva é um exemplo de quem desenvolveu doenças no ambiente de trabalho. Há cinco anos ela convive com dores na coluna cervical, em um dos ombros, nos dedos da mão e no punho esquerdo. Todos esses distúrbios foram agravados ao longo dos anos em que atua nesta função em escolas públicas.

“Todas as dores que sinto foram agravadas por conta do excesso de trabalho. Sempre tem muito histórico, documentos e declarações para fazer tudo à mão porque na escola não tem computador e nem uma cadeira adequada para eu trabalhar. Tudo só contribuiu para que eu piorasse”, conta.

Sem condições de custear um tratamento adequado, Sandra contou que nos últimos dois anos esteve em busca de um especialista que tratasse do seu caso. Entre atestados e muita compreensão por parte da direção da escola, ela recentemente deu início a um tratamento intermediado pelo Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador de Maceió (Cerest).

“Era muita dor que eu sentia. Tinha dias que não sabia como conseguia trabalhar. A diretora da escola chegou a me ajudar pagando fisioterapia, mas por conta dos esforços, nunca consegui melhorar. Tentei dar jeito na estrutura que tinha para não piorar, pois sempre tem muita cobrança. Agora vou iniciar meu tratamento e espero me curar, pois assim como eu tem vários profissionais que precisam de ajuda. Precisamos de mais profissionais nas escolas, mas é preciso cuidar de quem já está trabalhando”, afirmou.

Segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), Maria Consuelo Correia, no ano passado houve um aumento considerável de profissionais que foram afastados de suas funções por motivos de doença. Na maioria dos casos, professores e outros profissionais da educação apresentavam doenças relacionadas ao trabalho.

No caso dos professores, a rotina desgastante de aulas, carência de material para trabalho, alunos agressivos e escolas pouco seguras compõem um cenário característico de quem adoece em função do trabalho.

“Em alguns casos, o ambiente escolar contribui para o adoecimento, tem escolas que o clima de insegurança é muito alto, principalmente na periferia. Então por mais que haja vigilância no prédio, o professor se sente exposto por conta do entorno. Há casos de conhecimento do Sindicato que uma professora foi agredida por adolescentes que não concordaram com as notas e a ameaçaram”, contou.

Mesmo quem chega ao mercado de trabalho agora e se depara com situações de risco acaba sendo vítimas de doenças do trabalho. Alguns, segundo o Sinteal, pedem transferência e há casos de professores que abandonam a sala. “Há profissionais que vão trabalhar tensos com receio do que lhes esperam. Estamos em constante reivindicação para que haja mais segurança nas escolas, melhores condições de trabalho e também de saúde. Há muitos que atualmente estão em tratamento psicológico para conseguir retornar às  salas de aula”, afirma Consuelo.

Número de afastamentos também aumentou na Junta Médica

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define que a saúde é um estado de complexo bem-estar físico, mental e social e não se trata da simples ausência de doença.

Segundo a Organização, problemas mentais e comportamentais, como a depressão, já configuram entre as principais causas de afastamento do trabalho. Mesmo sem uma pesquisa ampla que mapeie a situação dos profissionais da educação no Brasil, esta é uma das doenças que mais tira professores da sala de aula.

Um levantamento feito pela Junta Médica de Maceió mostra que dos professores que passam por avaliação, aproximadamente 18% apresentaram transtornos mentais e comportamentais, cerca de 15% doenças do aparelho respiratório, 11% sintomas diagnosticados em exames clínicos, cerca de 11% com doenças do sistema osteomuscular e mais de 8% diagnosticados com doenças do aparelho circulatório.

O levantamento, conforme explicou o diretor da Junta Médica, Danyel Alves, apresenta números aproximados dos atendimentos realizados nos últimos seis meses em professores da rede pública municipal.

“Mensalmente, a Junta Médica faz em média 900 atendimentos referentes à perícia, processos e de posse de servidor e os casos de professores diagnosticados com alguma doença têm aumentado. Com isso, muitos casos a depender da patologia requerem o afastamento do servidor. Ás vezes o médico avalia um prazo para o servidor se manter afastado, mas em alguns casos, nossa avaliação conclui para um prazo maior ou menor. Nós também decidimos se o caso em questão requer prorrogação”, explicou.

Nos dados compilados pela Junta Médica, a maioria dos casos diagnosticados como transtornos mentais e de comportamento entre professores aponta que cerca de 40% deles possuem algum tipo de alucinose orgânica, um tipo de alucinação onde o paciente pode ouvir vozes, ver vultos ou apresentar outro distúrbio sem alteração da consciência.

O levantamento também aponta para cerca de 33% de casos de transtornos delirantes e 18% de transtornos afetivos bipolar. Entre os casos há também registros de depressão, síndrome do pânico, stress grave ou Síndrome de Burnout e transtorno obsessivo compulsivo.

A maioria das doenças respiratórias, segundo explicou Danyel, são infecções agudas nas vias aéreas, muitas vezes decorrente do uso do giz em pó. “Hoje se usa o piloto, mas tem escolas que ainda tem quadro negro e giz e professores que apresentam algum tipo de doença relacionada a isso”, disse. Mais da metade dos pacientes que foram diagnosticados com doenças osteomusculares possuíam transtornos na rótula do joelho e as doenças referentes ao aparelho circulatório em sua maioria eram diagnosticadas como hipertensão.

“Esses dados não são oficiais, são uma amostragem do que vivenciamos aqui, mas basicamente a realidade neste caso dos professores é fruto de uma rotina desgastante, com stress, muitos alunos e condições precárias de trabalho, que resultam em doenças”, completou.

Tratando a saúde do trabalhador dentro da escola

As quintas-feiras se tornaram dias de orientações e tratamento para professores, diretores e outros profissionais que atuam nas escolas públicas da capital. Há um ano o programa Caminhando Junto nas Escolas de Maceió, promovido pelo Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador de Maceió (Cerest), vem percorrendo as 136 unidades existentes para conversar e prevenir doenças do trabalho.

De acordo com a fisioterapeuta Flaviana Lopes, que integra o programa, a iniciativa de ir até as escolas para desenvolver uma série de atividades aconteceu após o Cerest realizar uma pesquisa e constatar quais eram as principais doenças que acometem os profissionais da educação na capital. As doenças mentais estão no topo da lista, seguidas de LER (Lesão por Esforço Repetitivo) Dort (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) e problemas vocais. Os números, mesmo que por aproximação, coincidem com o levantamento feito pela Junta Médica.

“Fizemos uma pesquisa de amostragem em 20 escolas públicas em Maceió por meio de um questionário e constatamos as principais doenças que afligem os profissionais da educação. A partir disso o Cerest desenvolveu este programa que está indo às escolas para cuidar e orientar os trabalhadores. Conversamos primeiro com o diretor, que conhece a proposta e a cada quinta-feira vamos a uma unidade de ensino”, explicou.

O programa, específico do Cerest Maceió, também faz as notificações dos casos diagnosticados e encaminha para a rede sentinela de instituições que vão tratar de cada caso de forma direcionada.

“Mesmo com pouco tempo de trabalho já temos pacientes que apresentaram melhora e isso só reforça a importância de se constatar e tratar as doenças relacionadas ao trabalho de forma correta. Vale lembrar que a saúde é de responsabilidade tanto pessoal como da instituição onde o profissional trabalha”, alerta a fonoaudióloga Vanessa Porto que também compõe a equipe do Programa do Cerest.

A profissional lembrou ainda que o Cerest também atende profissionais que ainda não receberam o projeto, mas que sentem que possuem alguma doença em decorrência do trabalho.

Semed fará seleção emergencial

Em entrevista à repórter Gilca Cinara no último dia 10, a secretária municipal de educação (Semed), Ana Dayse Dórea, disse ter conhecimento do alto número de professores e profissionais que atuam nas unidades de ensino que estão afastados e afirmou que a situação é preocupante. Uma das medidas a serem adotadas pela Secretaria a fim de amenizar a falta de professores é a realização de uma seleção.

O certame para vagas temporárias de professor e auxiliar de sala será organizado pela Copeve e a previsão dada pela secretária é que seja realizado em abril. Ana Dayse disse que a Semed estuda realizar uma nova seleção mais abrangente ainda este ano para professores e outros cargos.

 

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