Socilizamos o relato de Daniel Alves,ocorrido no mnicípio de Arapiraca/AL. Fato tão corriqueiramente naturalizado nas Alagoas dos Palmares que o genocídio dos meninos pretos já se tornou ação crônica. Literalmente...Juventude Viva?
O MORTO.
*Daniel Alves.
Na manhã do dia 03 de maio, passei e notei uma correria no bairro onde moro. Era um morto. Mais um morto jogado, crivado de balas por todos os lados. Me aproximei e vi. Um jovem, não tinha 20 anos. Jazia no meio do mato, como bicho morto.
A polícia já se encontrava no local. Era cedo. O sol acordava sem preocupação alguma. Quem se preocuparia? Os curiosos? Só senti revolta e inutilidade. Todos nós queremos parecer menos inúteis do que realmente somos. Mas somos inúteis cidadãos.
Fui embora como todo aquele que para nada serviria ali , a não ser para olhar calado. Antes de sair, ouvi entres as pessoas a conversa que ninguém o conhecia. Seria um sem nome? Claro, no mínimo um pobre. Pobre quase nunca tem nome. Quem tem nome é quem tem cifras.
O dia foi passando. O morto continuava jogado na sarjeta, apenas lá pelas 5 da tarde é que foi recolhido. Se fosse um vereador teria demorado tanto? Se fosse um empresário teria demorado tanto? Revolto-me. E mesmo sabendo que minha revolta é uma bobagem, não serve para nada além de me maltratar, me revolto.
No dia seguinte soube que o morto tinha 16 anos e que se chamava Daniel, assim como eu. Eu era o morto, negligenciado mesmo depois de morto. Os tiros que o mataram certamente poderiam ser para mim. Eu sou o outro. Eu sou o que espera pela justiça injusta que permite que se morra aos 16 anos, crivado de balas.
Disseram que foi a droga. A droga é essa sociedade. Essa sociedade que não tem oferecido aos jovens as oportunidades de mudança, permitindo que sejam cooptados por coisas que os fazem morrer antes dos 20. Quem o matou cumpria sua função de Deus (tirando-lhe a vida). Quem o matou, matou o outro. Esse outro podia ter sido eu. E o que eu sou? Um inútil cidadão.
Para ser um cidadão devo ser inútil. Não devo manifestar minha revolta. Não devo desobedecer as regras. Não devo ser mal educado para com as autoridades, é desacato. E o morto. O morto era só mais um de vários que virão a ser jogados em valas na periferia desse mundo nojento.
Daniel morreu aos 16 anos, justamente a idade que eu tinha quando fui pai. Mas eu sobrevivi. E não sei por quanto tempo mais serei um sobrevivente.
*É graduando em História, 7º Período, pela Universidade Estadual de Alagoas, UNEAL Campus Arapiraca e tem aperfeiçoamento concluído em Educação para as Relações Étnico Raciais Pelo CEDU, Universidade Federal de Alagoas.